21. Anúncios Matinais

7.5K 903 490
                                    

— Foi isso que Rafael leu? — Pergunta Guilherme com o diário aberto na mão.

— Exato.

— Meu deus, Thiago... Eu não sei o que falar. — Milena diz.

— Não precisa falar nada.

Resolvi mostrar pros meus amigos, afinal de contas isso é uma parte da minha história, e esconder e fingir que não aconteceu não vai apagar.

Estamos todos aqui na aula de espanhol com exceção de Rafael que não vi ao acordar e nem no café. A professora de espanhol escreve a matéria no quadro na esperança de que, desta vez, algum aluno irá copiar.

— Isso me deixa tão puta! — Simone diz balançando a perna sem parar — As pessoas tendo que se esconder por medo, puta que pariu!

Ela solta o último palavrão um pouco mais alto e recebe um esporro da professora que não vira para trás.

— Quando você escreveu isso? — Guilherme pergunta.

— Faz um tempo. Eu li que é bom escrever para as pessoas e nunca enviar e a nossa tia me deu isso para desabafar.

— E o Rafael? O que ele achou disso tudo?

Explico para eles tudo o que aconteceu quando vi que ele tinha — novamente — lido meu diário. Fiquei bravo, obviamente discutimos e ele disse que estava preocupado e que nunca mais faria isso.

Claro que confio nele. Mas de agora em diante meu diário ficará escondido.

— Se está tudo bem mesmo então onde ele está? — Tulio pergunta.

Um som agudo que me faz tampar os ouvidos toda manhã ataca novamente.

— Bom dia, alunos. Fiquem com os anúncios matinais do dia. — A voz ecoava pelo alto falante da sala.

— Espera... — Digo — Quem tá falando é o...

— Rafael? — Pergunta Simone.

— Para os integrantes do clube de xadrez, a reunião de vocês... Ah, fala sério, ninguém liga. Ok, será que o estudante Thiago do segundo ano poderia ir para os corredores em 2 minutos?

Vejo os olhares da sala em minha direção e viro para Guilherme que dá em ombros.

Aponto para a porta pedindo autorização para o professor que acena positivamente com a cabeça.

Não demora muito para que eu veja Rafael se aproximando com um buquê de rosas vermelhas.

— O que é isso? — Eu digo sorrindo enquanto ele me entrega as flores.

— Só um presentinho... Pro meu namorado.

Namorado. É a primeira vez que essa palavra é dita no nosso relacionamento.

Eu abro a boca, mas não consigo dizer nada, então apenas o abraço. E ao fazer isso noto meus amigos e alguns outros nos olhando pela janela da sala.

Coitada da professora, novamente perdendo na disputa por atenção para, literalmente, qualquer outra coisa que esteja acontecendo.

***

É engraçado como planejamos nosso dia mas tudo acontece diferente a medida que ele passa.

Por exemplo, eu planejei comer misto quente no café da manhã, mas acabei comendo frutas e tomando achocolatado.

E eu pretendia conversar ou dormir durante a aula de espanhol, mas acabei recebendo flores e sendo chamado de namorado

E claro que quando programei meu dia não coloquei "ser chamado na sala do diretor" na lista das tarefas.

Mas mesmo assim estou sentado na sala dele junto com Rafael, Guilherme e Tulio, esperando o homem chegar.

Não sei o que ele quer conosco e por isso passei os últimos 10 minutos me perguntando se fizemos algo contra as regras.

E então o homem chega: ele é negro, careca e está usando terno, o que seria péssimo se sua sala não possuísse um ar-condicionado.

— Estamos em encrenca? — Pergunto.

— Sim e não. Chamei os rapazes até aqui para uma conversa muito séria.  — Ele diz se sentando — Aqui nesta instituição nós valorizamos a diversidade.

Não sei onde ele vai chegar com isso, mas não tenho bom pressentimento.

— Mas tem um motivo para separarmos os dormitórios entre femininos e masculinos — Ele continua — E um inspetor reportou que Thiago trocou de quarto com o irmão e agora está dormindo com o namorado.

— Que inspetor? — Tulio pergunta.

— Deve ter sido aquele em que você vomitou — Rafael diz ajeitando o cabelo — Não sei por que, mas sinto que ele não vai com a nossa cara.

— Não importa quem tenha dito. — O diretor toma as rédeas da conversa — O importante é que dois garotos que tenham um relacionamento não podem dividir o mesmo dormitório. Ainda mais tendo trocado de quarto sem permissão.

— E o que isso significa? — Pergunta Guilherme

— Que vocês vão precisar destrocar ainda hoje.

***

— Bem-vindo de volta. — Tulio diz quando chego no quarto, fazendo a ultima viagem da pequena mudança.

— Obrigado. — Digo rindo.

— Sabe, depois que eu li sobre o Caio... — Ele diz timidamente — Posso falar sobre o assunto?

— Pode.

— Eu entendi, sabe. Ele era capitão do time de futebol e você fugiu dele e caiu junto com outro capitão.

— Aquilo foi idiotice minha. — Digo envergonhado. — Aquilo fez com que eu tomasse muitas escolhas erradas: me esconder, esconder que estava com o Rafa e, claro, te julgar sem conhecer.

— É, foi idiotice. Mas eu te entendo.

Eu sento na minha cama e ele se abaixa no chão na minha frente.

— Mas saiba que eu nunca seria babaca como aquele garoto foi. Ele é um imbecil por ter feito o que fez com um cara como você.

Não consigo evitar, sorrio.

Andando Em CírculosOnde histórias criam vida. Descubra agora