Antes da primeira sessão, quarta-feira, 17/05/2017 - 15:23 PM

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Augusto saía às pressas da aula mais uma vez; passava pelo pátio com a cabeça baixa e esperava que ninguém notasse que ele iria gazear aula novamente. 

Não perceberam nenhuma das vezes passadas, mas ainda assim seu corpo reagia de modo estranho a toda nova tentativa. Suava e ficava ofegante, sentia que se o pegassem teria com certeza uma nova crise assombrosa.

E definitivamente não queria isso.

Quando finalmente atravessou aos portões, rápida e desesperadamente, se camuflando em meio à turma de alunos que fora dispensada naquele horário, suspirou aliviado.

Deu alguns passos adiante, locomoveu-se para um canto onde ninguém poderia xingá-lo por estar travando o caminho e olhou para o trânsito, contemplando sua insignificância em meio a tamanhos edifícios gigantes. Os apartamentos, centros executivos ou prédios que ninguém sabia muito bem para que serviam se misturavam numa paisagem moderna e clássica, cheia de pichação e arquitetura brasileira secular: ele costumava gostar dali.

O que havia acontecido?

Era um dia cinzento, como a maioria deles, e os carros produziam a mesma quantidade de barulho de sempre, mas, por causa da dispensa de uma das turmas, a calçada estava repleta de jovens transeuntes, igualmente barulhentos, que deixavam tudo muito mais irritante; também faziam parte do cenário poucas pessoas vestidas socialmente, atrasadas para alguma coisa.

Mais a frente, Augusto pode ouvir uma mulher brigando com alguém pelo telefone, certamente com razão, porque, naquele ordinarismo, todos a tinham.

A mais, viu um senhor tentar arranjar caminho pela calçada com sua bengala, mas falhando porque os jovens transeuntes e as pessoas vestidas socialmente não estavam sendo amigáveis o suficiente. Perguntou-se o garoto apressado se percebiam o quão grosseiro agiam ou se simplesmente estavam tão dentro de si mesmos que não notavam nada que não lhes interessassem.

E em meio à cidade grande, aos poucos ventos que chegavam à superfície da rua, às buzinas de pessoas enraivecidas dentro de seus carros e aos outros jovens tão diferentes dele: não conseguia decidir se iria para a própria casa ou para a Praça do Japão — um de seus lugares favoritos, apesar de minúsculo —, sentar sob uma árvore sem folhas e observar os outros com seus afazeres diários, relaxantes ou urgentes, chiques ou corriqueiros, empresariais ou independentes, joviais ou levados a sério, e tentar entender por que não conseguia se sentir pertencente dali.

Talvez lá pudesse ler um livro, ou pensar naquele que há anos diz que irá começar, mas que nunca formalizou numa ideia decente. Poderia tirar inspiração da água e de como na praça tudo parecia silencioso e sereno, numa espécie de ilha intocável meio à folia da cidade grande. De fato, era um lugar pequeno sem muito para ver, nem muito por aonde andar, mas Augusto não se lembrava de nenhuma regra dizendo que a beleza necessitava abundância, portanto, era perfeito.

A calmaria e o respeito presentes na Praça do Japão já eram suficientes para transformá-la num de seus lugares prediletos; já estava exausto do barulho e das regras de tratamento interpessoal da cidade grande.

Havia decidido, pegaria um ônibus, sentaria com seus fones de ouvido escuros ligados em máximo volume, esperaria por vários minutos extrassilenciosos, mas intrabarulhentos e desembarcaria no destino escolhido, e só sairia de lá perto das sete da noite, quando sua mãe estivesse próxima de casa e ele não precisasse ficar sozinho, fisicamente, por muito tempo; parecia um bom plano para o dia.

Mas foi quando assentiu para si mesmo, satisfeito por ter tomado alguma decisão, uma boa ainda, que ouviu chamarem seu nome.

Seu corpo arrepiou-se.

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora