Sexta sessão, segunda feira, 24/07/2017 - 19:10 PM

51 8 10
                                    

Um pássaro voava por cima da pequena sala, em direção ao seu ninho recém-construído pro inverno rigoroso, quando quase sentiu a necessidade de parar para escutar o que diziam logo abaixo. Mas tanto as cortinas quanto as janelas estavam totalmente fechadas, impedindo-o de penetrar na importante conversa a dois que ocorria por ali. Logo, fechou o bico, abriu suas asas e rumou de volta para sua família animal.

Uma chuva invernal havia acabado de terminar; o sereno e os pingos minúsculos d'água que caíram do céu ainda pairavam sobre o ar, gelando tudo. O frio cobria as ruas, deixando-as quietas, numa situação rara. Dentro do instituto também não se ouvia muitas coisas, apenas passos sobre o chão incrivelmente limpo e cochichos de várias pacientes, todas com suas próprias histórias.

O relógio marcava quase sete horas e quinze minutos. A noite já havia se instalado; a cada ano parecia anoitecer mais cedo durante o inverno, e a cada ano a escuridão parecia mais presente na vida dos curitibanos.

No momento em que o pássaro molhado e agitado chegara à sua família, na segurança de seu ninho aconchegante, Fabiana, durante a sexta sessão de Augusto Martins dentro da não mais desconfortável salinha, piscou com atenção ao que seu paciente disse.

Augusto suspirou.

Terminou sua fala de maneira brusca; notou que comentara, sem perceber, sobre as tão escondidas cartas que escrevia. A fala tinha escapulido sem o peso das consequências enquanto contava para sua psicóloga sobre um Dia Ruim que tivera meses atrás; passara correndo pelo assunto, temendo que o vissem ali. Parou em silêncio, esperando se enterrar o detalhe.

Mas como poderiam ignorar aquele assunto numa psicoterapia?

Refletiu por quanto tempo ficaria se esquivando dos tópicos indesejados. Havia mais de meses que ele vinha ali toda semana, não parecia existir mais espaço para retaguarda. Já estava acostumando a se abrir para Fabiana e não para as cartas frias sobre sua escrivaninha. Se estava preparado para aquele assunto de fato não sabia, mas talvez estivesse na hora. Assim decidiu não recuar mais, como sua amiga Gabrielle faria caso estivesse ali, caso fosse com ela, caso ela precisasse. Uma pontada de saudade bateu em seu peito ao pensar na viagem.

Mas balançou a cabeça e seguiu fundo o próprio pensamento, estava mesmo na hora de tentar entender o que significava as escritas; talvez a chave para o que sentia estivesse escondida perto da caixa decorada.

— Quando foi a última vez que escreveu uma dessas cartas? — perguntou sua psicóloga.

Augusto pensou na resposta. Quase não conseguiu se lembrar de quando ocorrera. Vasculhou a mente em busca duma cena específica: escrivaninha, cadeira e caneta em mãos, papel sobre a madeira envernizada. Pensamentos após e ao finalmente perceber que não escrevera mais carta alguma nos últimos meses, aliviou-se internamente.

— Faz bastante tempo.

Desde que sua vida tomara uma guinada totalmente inesperada por causa de sua coragem repentina durante a conversa com Marcelo, o psicólogo de seu colégio, ele não depositava mais o que sentia em cartas melancólicas que nunca seriam lidas. Pelo contrário, tentava guardar seus sentimentos para as sessões com Fabiana na semana seguinte. Sentia-se orgulhoso de como estava lidando com seus problemas ultimamente.

Ao notar isso, Augusto sentiu seu primeiro vislumbre de recuperação.

— Fico feliz em ouvir isso — disse Fabiana.

Da maneira direta e pontual de sempre, ela continuou o assunto sem rodeios, perguntando-lhe se ele relia o que escrevia ou revisitava os sentimentos descritos nas cartas.

— Não — respondeu ele —, depois que eu termino de escrever, eu nunca leio.

Augusto franziu o nariz.

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora