Sétima sessão, segunda-feira, 31/07/2017 - 19:10 PM

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Augusto tinha acabado de se sentar na cadeira e ajeitado seus pés sobre o tapete felpudo. Ele encarava o relógio em cima da mesinha de centro — faria isso por muitas vezes ainda — num estado de hipnose auto infligida. Suas mãos sobre o colo denunciavam que estava absorto em seus próprios pensamentos. Augusto tinha o hábito de desligar-se sempre que ficava mais de alguns minutos em silêncio e sozinho.

Sua psicóloga não estava na sala, disse precisar usar o banheiro assim que ele se sentou. Então, ele aproveitou o tempo em silêncio e os pensamentos correndo solto para se organizar com o que diria naquele dia. Mesmo que todas as vezes que fizesse isso nunca conseguisse cumprir. As palavras tinham vida própria ali.

Mas antes que Augusto terminasse sequer a preparação do início do pensamento organizado, Fabiana entrou, fechou a porta atrás de si e se sentou em sua poltrona. Ela puxou seu habitual caderninho e disse para o garoto de uma só vez:

— Como você está se sentindo hoje?

A velocidade das ações da mulher alta atordoou o garoto por alguns segundos. Demorava a sair do seu estado de transe. Ele piscou algumas vezes, mexeu a cabeça de um lado para o outro num chacoalho e olhou a sala inteira, como se já não a conhecesse perfeitamente bem.

Nada de diferente, como era de se esperar.

Então, após recobrar a atenção, Augusto respondeu a pergunta como sempre fazia todo começo de sessão. Fabiana ouviu atentamente, como sempre fazia em todas as sessões. Ele descreveu sua semana e como tudo estava neutro, sem muito nem pouco. O marasmo de sempre havia retornado. E sempre que se encontrava perdido nele, perguntava-se se era melhor sentir tristeza do que não sentir nada.

— Eu não sei se continuo um ser humano quando não sinto nada, sabe? Alguém que merece ser reconhecido como tal...

Fabiana — que ouvia atentamente — prontamente respondeu:

— Você continuaria um ser humano mesmo que nunca mais sentisse coisa alguma, Augusto. E, certamente, não te inibiria de ser tratado e reconhecido como um.

Um silêncio se instalou.

O garoto refletiu sobre o que ela disse: Fabiana sempre apontava perspectivas óbvias que ele parecia deixar passar — por mais evidentes que fossem.

Talvez fosse esse o intuito da psicoterapia, deixar as coisas óbvias evidentes para aqueles que tinham instalado um filtro antiobviedades em suas cabeças.

Augusto provavelmente o tinha. Muitas vezes sabia que o que sentia não fazia sentido e que sua mente estava apenas lhe pregando peças, mas ainda assim, caía nas mesmas armadilhas de novo e de novo. Assim, antes que caísse num limbo de pensamentos e suas armadilhas mentais entrassem em vigor durante aquela sessão — e Augusto não conseguisse usar seu curto tempo ali para se abrir —, sua psicóloga o salvou com um tópico inacabado:

— Bom; semana passada eu pedi para que pensasse em quatro coisas que sente ainda ser um problema para você, lembra-se disso?

Ele acenou com a cabeça em resposta e sentiu seus pensamentos se escapulirem por um cantinho que esqueceu de vedar direito em sua casa mental, porque ficava ansioso quando tinha entregar uma de suas "tarefas de casa" da terapia.

— Você conseguiu?

Augusto acenou novamente.

Havia conseguido pensar em apenas três coisas.

— Só consegui achar três.

— Quais são? — perguntou ela.

O garoto respirou fundo. Um, dois, três segundos inspirando o máximo de ar que podia apenas para soltá-lo em seguida demorando quanto tempo fosse necessário. Sempre que fazia isso, sentia-se menos caótico. Era como se a respiração longa mostrasse para seu cérebro que nem tudo precisava seguir uma aceleração absurda e que a lentidão e a parcimônia também eram velocidades possíveis para se operar em.

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora