A vez do picolé de limão, terça feira, 21/02/2012 - 17:27 PM

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Augusto sentou no meio fio.

Henrique sentou do seu lado.

Os dois olharam para cima, cansados. Suspiraram algumas palavras e pensaram em alguma coisa interessante para falar, mas não havia o que dizer: estavam exaustos de tanto brincar.

Estava calor, absurdamente calor; mais calor que jamais esteve em Curitiba.

Assopraram seus próprios braços, enxugaram suas testas e respiraram ofegantes. Pensaram em alguma coisa gelada para refrescarem a mente, mas não funcionou.

A imaginação infantil não era tão poderosa quanto diziam.

De repente, ouviram uma música.

Olharam um para o outro, animados.

Não tinham certeza se era de fato aquilo que estavam imaginando, mas a música continuou, logo tinha de ser, afinal, era verão.

Ouviram mais perto, alguns segundos depois mais perto ainda. Até que perceberam que estava na rua com eles, próximo até demais, quase virando a esquina.

Sim, lá estava ele, alguns metros de distância: o carrinho de picolé. Pilotado pelo mesmo senhor que sempre passava pelo bairro, havia anos já, trazendo alegria a crianças, e alguns adultos; o carrinho lá estava, como o habitual, para salvar o verão dos dois garotos exaustos de tanto brincar.

Henrique pulou num sobressalto, Augusto o seguiu igualmente animado e feliz: iria tomar picolé!

O amigo queria um de morango, sua fruta favorita pelo último ano: no inverno consumiu no chá, no verão optaria pelo picolé.

Já Augusto queria o picolé de limão, o cítrico da fruta o refrescava de um jeito delicioso. Conseguia sentir o gosto amargo, mas ao mesmo tempo doce e gelado, do picolé natural em sua boca, alimentando-se de uma fantasia prosaica.

Mas, de repente, ao despertar de seu desejo pelo refrescante doce, percebera um problema muito grande.

Ele não trouxera dinheiro algum.

Sua meia estava vazia de suas costumeiras moedas secretas, seus bolsos portavam absolutamente nada e não havia coisa alguma escondida nas dobrinhas de sua barriga.

Ficou triste num ímpeto.

Olhou para o amigo e murmurou algumas palavras incompreensíveis, provavelmente na língua da tristeza.

Não daria tempo de ir para casa buscar o dinheiro.

Estavam a uma distancia de quase duas quadras da casa de Augusto e uma distância maior ainda da casa de Henrique; haviam vindo ali apenas por causa do gramado da pracinha. E agora o gramado condenara um deles.

Teria que ficar sem.

Não poderia comer o tão desejado picolé de limão porque não tinha dinheiro algum; um motivo tão banal quanto dinheiro matara seu desejo infantil.

Olhou para Henrique, que o olhou de volta e percebeu sua frustração. Ele então puxou do bolso uma nota de dois reais, o único dinheiro que tinha.

Coincidentemente, era exatamente o preço de um picolé.

Henrique então decidira uma coisa a partir da tristeza de Augusto: compraria o picolé de limão, porque ele gostava do picolé de limão, mas Augusto não gostava do de morango. Então, se dividissem o picolé de limão, ninguém ficaria triste.

Contou ao amigo.

Aos olhos brilhando de felicidade, concordaram.

Correram até o carrinho. Chegaram lá e deram de cara com o costumeiro senhor; durante a vida inteira, naquele mesmo bairro, sempre por lá.

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora