Terceira sessão, segunda-feira, 19/06/2017 - 19:37 PM

95 16 16
                                    

— Este foi seu primeiro ataque de pânico? — disse Fabiana.

Augusto torceu os lábios. Não tinha admitido para si mesmo que o episódio que tivera durante a caótica festa de meses atrás fora um ataque de pânico, mas a psicóloga havia dito que tudo que descrevera era sintomático de um.

Não lhe sobrou alternativa além de aceitar:

— Sim.

— E desde então não ocorreu mais nenhuma vez, afinal faz mais de um mês, certo?

A psicóloga perguntou calma e séria, genuinamente interessada em entender o que acontecia com seu paciente, assim como em fazer o seu trabalho da melhor maneira.

Ele, então, contou sobre como quase aconteceu outra vez no refeitório estudantil tempos depois, por causa de uma conversa entre seus dois amigos, mas que conseguira impedir, e esperou Fabiana concluir seu raciocínio.

— Ok — disse ela, finalmente —, preciso que seja sincero caso ocorra de novo, e que tente evitar ao máximo situações de extremo desconforto como essas.

Meneou a cabeça em tom de pergunta e esperou que Augusto concordasse com sua colocação. Ele assentiu, porque imaginou que não seria difícil dada a situação atual de sua relação com Henrique Lorenzo.

Assim, sua psicóloga ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para ele e para seu caderninho preto em sequência. Augusto apenas a observou, calado. Ela terminou de anotar outra coisa e, num instante, levantou os olhos e disse:

— Desde esse episódio, você e Henrique têm se falado?

Augusto refletiu antes de dizer alguma coisa, parecia que ela sempre sabia exatamente o que ele pensava.

— Não como antes — respondeu.

E de fato não era nada como antes, desde a festa, seu ataque de pânico, sua fuga do refeitório, e a decisiva vez que pediu para Henrique um tempo sozinho, ele e o amigo não estavam nada parecidos com antes.

"Então não estou mentindo", disse a si mesmo, tentando se confortar pelo comportamento dúbio.

Mas, se ele fizesse as contas corretamente e estivesse disposto a admitir para si mesmo e para ela também, veria que fazia mais de mês que eles não conversavam. E Henrique sequer sabia o motivo real para aquilo tudo; para ele, seu amigo apenas queria ficar sozinho e lidar com os Dias Ruins à sua maneira, porque fora apenas isso que lhe fora dito. E mais ainda, fora apenas o que Augusto reforçara naquela última mensagem de texto que mandara. E mesmo assim, "não como antes" fora tudo que o garoto disse à Fabiana.

"Então está mentindo sim", lembrou a mente dele; culpou-se por isso. Enquanto isso, a psicóloga, sem saber de muito, ajeitou os óculos e esticou-se na poltrona mar intenso.

— Há quanto tempo vocês dois se conhecem? — indagou ela.

Por um momento Augusto pensou no que responder. E segundos depois de parar para pensar, percebeu que pensava muito no que partilhar para a pessoa que deveria ficar a par de tudo que se passasse em seus pensamentos.

"Espero que seja sincero sobre os motivos que te trazem aqui toda semana", disse a memória de Fabiana em sua cabeça.

Suspirou, respirou fundo e bufou tudo ao mesmo tempo, não havia motivo para aquela reclusão e nenhum argumento para discutir com uma lógica sincera.

Decidiu contar do início.

— Nos conhecemos quando éramos bem pequenos. Íamos à mesma escolinha. Ele é um ano mais velho, então, eu só o via pelos corredores ou nos intervalos. Eu tinha apenas cinco, não lembro muito...

A psicóloga se escorou nas próprias pernas e apertou o olhar, demonstrando completo interesse na história que estava prestes a iniciar.

"Mas o dia que o conheci foi meio 'anormal'. Estava chovendo forte pra ca-c-carnaval, e as professoras estavam ficando apreensivas. Elas correram fechar as janelas e ficamos todos olhando sem saber o que fazer. Algumas crianças já estavam chorando, se me lembro bem. Eu fiquei lá, parado, olhando tudo, segurando minhas mãos com força. Não que eu não estivesse com medo também, mas acho que só não queria demonstrar."

Neste instante, Augusto sorriu. Era embaraçoso contar aquelas coisas, mas ao mesmo tempo aliviava jorrar novamente — e relembrar detalhes de uma criança que às vezes sentia não ser mais ele próprio —, sem medo de julgamentos, para alguém que estava ali justamente para ouvir. Fabiana também sorriu, deixando-lhe a palavra em seu poder.

"Bom, quando as professoras perceberam que a chuva estava começando a se vingar do coléginho, elas desistiram completamente das aulas. Por um tempo tudo que vimos foram aquelas senhorinhas correndo para lá e para cá com baldes, panos e eu juro que uma delas corria com uma frigideira. Depois de uns dez minutos disso — as crianças já haviam parado de chorar e estavam apenas fazendo bagunça —, a professora Rosângela entrou, era velha e magra, com um cabelo bem grisalho; estava acompanhada de várias outras mulheres, professoras de outras turmas. Ela disse: 'bom, crianças, parece que a chuva tá pingando na sala ao lado e os outros aluninhos vão ter que dividir o espaço com a gente, tudo bem?', ou algo assim, e nesse instante todo mundo começou a gritar e várias crianças entraram correndo na sala. Estava tudo uma grande folia, tacavam bolinhas de papel pra todo lado também. Foi quando vi que o Henrique estava lá. Ele entrou um pouco assustado na verdade, mas acho que também estava tentando fingir que não."

De repente, Augusto se viu revivendo o marcante dia. Lembrava-se de como Henrique sorriu ao avistá-lo e como ele sorriu de volta. Lembrava-se também de todas as crianças correndo para conhecer os novos amiguinhos e das professoras mandando todos se sentarem, em duplas. Lembrava-se de como ficou quando Rique sentou-se do seu lado.

— Qual seu nome? — disse ele.

— Augusto e o seu?

— Hen... rique.

Lembrava-se que só ouviu "rique" — e desde então se acostumou a chamá-lo assim; lembrava-se também do som da chuva forte.

Aquelas eram coisas que queria guardar para si mesmo, então quando viu que Fabiana o observava e que tinha ficado minutos inteiros sem falar nada, Augusto retomou a história, numa versão mais curta.

— Aí não sei direito, de algum jeito começamos a conversar e não paramos mais — completou, ocultando as apegadas memórias.

Fabiana dobrou uma perna por cima da outra e o encarou por alguns segundos, deixando-o desconfortável. Às vezes a distância entre as duas poltronas o deixava receoso. Os óculos redondos sobre o nariz comprido dela brilhavam sob a luz branca da sala.

— Vou te fazer uma pergunta, Augusto — disse ela. — Quero que me responda com sinceridade.

Augusto concordou com a cabeça lentamente.

— Você está apaixonado por Henrique, não é? 

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora