Durante a festa, sexta-feira, 28/04/2017 - 23:18 PM

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Henrique havia acabado de dizer à Sabrina que iria ao banheiro quando esbarrou num garoto que parecia muito agitado e perdido em meio àquelas dezenas de pessoas agitadas e perdidas dançando em fôlego aparentemente infinito.

— Desculpe, eu só estava tentando passar — disse ele ao desconhecido.

O outro não deu atenção alguma e continuou caminhando apressado em direção à grande varanda, essa de qual Henrique havia acabado de sair, portanto não ligou muito — não era como se aquele fosse um comportamento anormal em uma grande festa. Mais alguns passos depois, outras pessoas passaram correndo por ele, balbuciando em bando, todas em direção à varanda. Isto o fez levantar as sobrancelhas.

"Que merda tá acontecendo?", pensou.

Vendo nenhumas respostas por perto, e com preguiça de procurar mais minuciosamente por elas, Henrique ignorou o próprio pensamento e continuou rumo ao banheiro que objetivava em primeiro lugar. Enquanto andava por aqueles corredores, a música tocava tão alta que sentia seus ouvidos vibrarem de intensidade; chegou a coçar a orelha duas vezes para tirar a pressão estranha que se instalava toda vez que frequentava lugares barulhentos.

De repente, ao chegar próximo a um corredor, uma menina de cabelos curtos, acompanhada de um garoto baixinho que cochichava algumas coisas, tropeçou em seu pé atrapalhadamente.

— Perdão — falou a garota ao se levantar.

Ela tinha cabelos curtos coloridos de tintura azul e usava um batom vermelho que brilhava nas luzes piscantes, e sorriu ao ver a face de Henrique. Ele sorriu de volta, um pouco corado. Ambos ficaram se olhando a esmo por alguns segundos, até que a garota abaixou o rosto, ocupada demais para aquilo, e insinuou uma caminhada em direção ao mesmo destino de aparentemente todo mundo: a grande varanda.

Mas antes que ela pudesse se virar e partir na maratona que parecia acontecer ali, Henrique disse às pressas:

— Ei, você sabe o que está acontecendo?

Ela virou a cabeça e titubeou por instantes, como se processasse suas palavras.

— Disseram que havia um menino chorando lá fora — disse ela, apontando para a imensa porta de vidro enquanto caminhava de costas. — Fiquei preocupada, então decidi ver o que aconteceu.

— Chorando? — gritou ele a distância, tentando fazer-se ouvido através da música alta.

Ela acenou com a cabeça e bradou algo como "mas parece que o garoto meio que desapareceu" e sumiu entre as pessoas. Henrique ficou ali, deixado plantado pela garota que não conhecia, tentando entender o que deveria ter acontecido com o garoto que, provavelmente, também não conhecia.

Perto dali: um jovem pintava com tinta neon o rosto de qualquer um que pedisse; várias meninas dançavam juntas; as caixas de som tremiam furiosamente; uma adolescente recebia uma ligação de seu irritadiço pai superprotetor; uma mesa quebrava e três garotos pareciam tentar um beijo triplo, mas um deles, loiro — vestindo uma camiseta extremamente justa —, era alto demais em comparação aos outros dois, o que deixava a situação ridícula de se assistir.

Enquanto ainda parado, Henrique teve certeza de ouvir uma das pessoas que corriam gritar:

— Achei!

Mas não sabia se estavam falando do garoto desaparecido, ou do celular que algum irresponsável perdera, ou de qualquer outra coisa. Pensou em se juntar à procura do menino que chorava na festa, mas a fisiologia o chamou novamente e decidiu ignorar o assunto de vez.

"Não tem nada a ver comigo."

Então retornou a caminhar em direção ao banheiro, imaginando o que Sabrina diria quando voltasse depois de tanto tempo. O corredor estava lotado, havia gente escorada nos cantos e gente andando pelo meio; ele desviou de algumas e esbarrou em outras tentando se aproximar duma porta com uma luz verde em cima, ao fim do corredor. Essa iluminava um casal abraçado que saía pela entrada. Henrique deduziu que lá dentro ficavam os banheiros.

Quando passou pela porta, deparou-se com uma suíte vazia. O piso branco estava repleto de marcas de tênis, em um dos cantos uma luminária projetava um feixe de luz azul no chão sem aparente motivo algum, uma poça de um líquido estranho brilhava perto do banheiro. Por via das dúvidas ele prendeu o nariz com os dedos.

Quando já estava próximo ao banheiro e havia desistido de prender a respiração, reparou em uma porta de vidro que parecia dar acesso a uma sacada — apenas uma segunda entrada para a tão falada varanda — em um canto esquecido daquela suíte.

— Como assim você foi embora? O que houve?! — disse uma voz familiar do lado de fora da porta.

Despertado por interesses genuínos de um curioso insaciável, Henrique caminhou até a voz. Ele empurrou a porta entreaberta com as pontas dos dedos no exato momento em que Helena desligou o celular.

— Garoto idiota!

Ela ergueu o rosto assim que percebeu não estar mais sozinha ali e esbarrou o olhar com um Henrique observando a metros de distância. Ambos ergueram as sobrancelhas.

Helena foi a que quebrou o silêncio.

— Seu irmãozinho é um tremendo de um babaca.

— Oi? — respondeu Henrique.

A garota com tranças longas no cabelo revirou os olhos.

— O Guto! — vociferou. — Acredita que ele me abandonou nessa festa?

— O Augusto está aqui?

— Estava — explicou ela —, mas aparentemente teve que ir embora por causa da mãe dele.

Um vento frio bateu no rosto de Henrique, a noite havia chegado rigorosa; na cabeça dele algumas perguntas apareceram, mas antes que pudesse botá-las pra fora, Helena retomou sua fala.

— Eu tenho certeza que ele só foi embora porque eu estava demorando demais no banheiro.

Henrique levantou a sobrancelha novamente, sem saber se a garota ainda estava falando com ele. Ao notar a reação, Helena suspirou.

— Só demorei porque encontrei uns amigos no corredor, não me olhe desse jeito!

Em resposta, ele apenas deu de ombros.

— De qualquer forma, eu vou tentar aproveitar o resto da festa — disse ela enquanto iniciava passos rápidos rumando a suíte vazia —, se você me dá licença.

E antes que pudesse segurar a própria boca, novamente, Henrique disse:

— Por acaso você sabe alguma coisa do garoto que estava chorando na varanda?

E dessa vez foi Helena quem ergueu as sobrancelhas.

— Ah, deixa pra lá — encerrou ele.

Ela acenou com a cabeça como se dissesse "que seja" e voltou a caminhar em direção à porta; sua blusa de frio branca com mangas transparentes de plástico balançava enquanto dava passos pesados e irritados para longe dali. Já puxava a maçaneta de metal quando Henrique, atrás dela, disse:

— Você não devia ter trazido o Guto aqui. — A voz dele parecia trêmula.

Helena apenas levantou um dedão em resposta e logo desapareceu cômodo adentro, sem resposta alguma. Por um instante Henrique se perguntou como alguém daquele tamanho conseguia carregar tanta raiva.

"Tenho dó de quem enfrenta ela nas aulas de boxe", pensou.

E assim, daquela forma, a segunda garota da noite o deixava falando sozinho.

Submarine-se, AugustoOnde histórias criam vida. Descubra agora