Capítulo 4

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A coisa com Seungkwan é que ele se sente profundamente sobre tudo.

Não existe uma resposta apática, um sentimento moderado sobre um assunto, nenhuma sensação meia-boca sobre qualquer coisa que valha a pena conversar. Tudo com ele tem que ser vida ou morte ou nada. Tem que ser tardes inteiras gastas em uma vasta livraria Indigo com cortinas roxas e pilastras envoltas em hera de ouro, Vernon escondendo risadas entre seus livros enquanto Seungkwan fala mansamente e culpa agências de viagens por deixá-lo experimentar áudiolivros de graça. Tem que ser hambúrgueres e batatas fritas em alguma lanchonete azul-e-rosa dos anos 50 que Vernon descreve para Seungkwan ser parecida com o gosto de chiclete, dividindo sundaes de baunilha com cerejas marrasquino e todo santo tipo de granulado jogado no topo de uma cavidade revestida de açúcar. Tem que ser The Princess Bride e Rocky Horror Picture Show e Mary Poppins e Grease até que os olhos de Vernon estejam com as órbitas secas e Seungkwan tenha dormido uma hora atrás, caído entre uma pequena pilha de travesseiros.

Vernon gosta disso. Ele gosta de alguém que é tão descaradamente apaixonado por estar vivo, a ponto de possuir emoções tão esmagadoras e poderosas que ele nem se importa se as pessoas pensam que é exagero. Ele gosta de estar com uma pessoa assim, mas isso também significa que Seungkwan pode ter vários humores em um dia só. Imprevisível. Vestindo seu coração na manga da camisa para o mundo inteiro pegar os pedaços como abutres. Quando Seungkwan fica chateado, torna-se uma provação equivalente a erupções vulcânicas e tempestades de tornados.

Era para eles estarem passeando por um parque próximo hoje. Vernon guia Seungkwan por um pequeno caminho de terra, na direção do lago de algas. O céu é um calmo verde pepino-em-conserva, nuvens de folhas de alface rolando graciosamente em um lento, rodopiante vórtice. Ele quer dizer a Seungkwan como é, mas a prosa precisa o suficiente para descrever tal beleza desaparece em sua boca até que ele não consiga pensar em mais nada para dizer. Seungkwan, também, está estranhamente quieto hoje. Ele parece perdido em seus pensamentos, rosto quase sombrio, e sua mão aperta mais e mais ao redor do bíceps de Vernon enquanto andam.

"Você está bem?" Vernon pergunta, e então, quando Seungkwan não responde imediatamente, ele nervosamente diz: "Você quer se sentar em algum lugar, ou...?"

"Não, tá tudo bem." Seungkwan solta um suspiro, sobrancelhas franzidas como se de repente ele estivesse pensando em algo desagradável ou, no mínimo, profundamente perturbador. "Eu estou tendo um dia ruim. Semana ruim, na verdade."

"Oh." O problema com Vernon sendo inseguro e sem o aprendizado social necessário para saber o que fazer com amizades é que ele nunca teve ninguém além de sua irmã para discutir, e como tal, ele é sempre muito passivo e desajeitado para saber quando e como moldar assuntos se ele vê que seu amigo está triste. "Eu sinto muito. Você quer, hum, falar sobre isso?"

"Tanto faz, não é nada. É só eu sendo estúpido, e tendo que lidar com pessoas estúpidas e- e- não. Não, sabe de uma coisa? Eu estou de saco cheio." Ele para de caminhar, Vernon para dois passos depois e dá meia volta, e ele desliza a mão para longe. O vento morre, como se estivesse tentando ouvir.

"Hum, Seungkwan?"

"Por que você está aqui?"

"Ontem você disse que queria ir para algum lugar, como um parque ou algo assim, e esse é o mais próximo do Medea-"

"Não!" A voz dele se eleva por um momento como um raio antes que ele se esforce para guardá-la de volta. Vernon pode ver as mãos dele flexionando incertamente ao redor da alça de sua bengala, agarrando-se a ela como se fosse uma tábua de salvação mas também como se fosse a cabeça de uma serpente. "Não. Eu só- por que você está aqui, comigo? Por que diabos você está aqui comigo?"

Vernon não sabe sobre o que é exatamente isso, mas a maneira como as palavras de Seungkwan estão se transformando em algo amargo conforme caem pela metade de sua boca o faz sentir-se nauseado e horrível.

"Olha, isso é por causa de outra pessoa, ou isso é por causa de algo que eu fiz?"

"É tudo, Vernon, okay?" Seungkwan cruza seus braços, os ombros se encolhendo mais perto de seu torso como se ele estivesse tentando se tornar menor. "É tudo, e eu estou ficando cansado de tudo, e é apenas um daqueles dias que estou tendo, então você não precisa andar por aí fingindo ser simpático só porque estou tendo um ataque de raiva-"

"Então por que você está falando comigo como se eu fosse o problema?" Algo em Vernon é liso e quente, como derreter facas no fogão da cozinha e enfiar a mão nelas. Ele não está acostumado a brigar com alguém, a perder a paciência ou a ser teimoso. Mas algo no modo como a boca de Seungkwan está retorcida, tentando ser duro e frio porém parecendo desesperado e vulnerável, faz com que ele sinta uma necessidade ofuscante e irracional de morder de volta. "Você não consegue ver que eu só quero-"

"Eu não consigo ver? Vern, você está brincando comigo?"

Vernon range os dentes. Uma de suas principais presas pressiona com força o lábio inferior o suficiente para que seja um pouco doloroso. "Você sabe que caralhos que eu estava tentando dizer. O quê, você quer que eu contorne minhas palavras assim? Isso faria você se sentir melhor, eu andar na ponta dos pés ao seu redor como se você fosse quebrável ou algo assim? Se você quer que eu segure sua mão toda vez que cruzarmos uma porra de uma rua, então-"

O rosto de Seungkwan se torna um vermelho-cereja raivoso: "Cala a boca!"

"Você cala a boca!"

Ambas as vozes estão aumentando, o argumento se dissolvendo em algo que parece quase infantil, mas é algo muito maior, muito mais triste, muito mais antigo do que qualquer um deles consegue segurar. Uma pequena parte de Vernon está calma o suficiente para se sentir feliz por não haver muitas pessoas no parque a esta hora do dia. Ninguém está por perto para ver um híbrido e um menino cego gritando um com o outro na grama verde-limão. Essa pequena parte de sua mente é quase imediatamente afogada pelo quão chateado ele está ficando, pela vontade que ele sente de não ficar calado, não dessa vez.

"Por que caralhos você quis ser meu amigo, Vernon?" Seungkwan praticamente grita. Então, ele arranca seus óculos de sol e Vernon vê todo o rosto dele pela primeira vez. Os olhos de Seungkwan são embaçados, brilhantes e vazios, da cor de uma névoa cinzenta, emoldurada por cílios finos. Lágrimas estavam surgindo de seus olhos nublados, enquanto suas sobrancelhas se franzem juntas no que pode ser fúria, e Vernon olha horrorizado para o desastre que ele criou sem perceber. "I-Isso é tudo apenas um jogo para você? Eu sou apenas o amigo cego que você quer usar para desfilar por aí para, p-para, para mostrar aos outros como você é algum tipo de figurão, a porra dum herói por ser tão legal com alguém que é deficiente? Diga-me a verdade!"

"Não," diz Vernon, e embora ele achasse que não estava tão raivoso ele de repente percebe que já está perto de estar furioso, mãos apertando em garras trêmulas e voz mudando para o que pode ser um grunhido defensivo. Se pudessem vê-lo agora, cara, teriam o momento de suas vidas. Um verdadeiro demônio, diriam. Ele não pode evitar, ser um monstro está em seu sangue. "Não! Eu não sei por que você está colocando palavras na minha boca, mas-"

"Porque tem que haver uma razão, Vernon!"

"Que outra razão poderia haver além de apenas querer ser seu amigo?!"

"Não," Seungkwan sussurra, voz vacilante, e ele tropeça perto o suficiente para espetar o dedo debilmente contra o peito de Vernon. Parece uma facada. "Não, não, não, você não entende, sempre há uma razão pela qual as pessoas são legais comigo. Eles sempre querem parecer bonzinhos, andando por aí com a porra de um garoto cego e indefeso para mostrar o quão inclusivos eles são, agindo como se eu fosse um boneco de vidro que precisa ser ajudado em todos os momentos da minha vida se não eu vou despedaçar sem alguma pessoa atenciosa, saudável, normal me protegendo. Agindo como se eu não conseguisse atravessar a rua sozinho, como se eu não conseguisse encontrar um lugar vazio sozinho, como se eu precisasse de ajuda para saber onde estão as saídas de um prédio. Eu nunca fui uma pessoa real para eles, eu era apenas uma- coisinha indefesa. Nenhum deles, jamais, nunca-" ele luta contra um soluço e soa quase feroz, como um animal ferido, "nunca realmente se importaram comigo. Então por que você iria, Vernon? Por que você poderia vir a ser diferente-"

"Eu sou metade demônio!" Vernon grita, interrompendo-o.

IN THE EYE OF THE BEHOLDEROnde histórias criam vida. Descubra agora