Havia apenas uma coisa sobre a qual as pessoas falaram por semanas: um terrível artigo no Jornal do Amanhã com histórias escandalosas sobre mulheres sendo maltratadas das maneiras mais angustiantes pelos seus maridos e um ataque direto à posição de consentimento do governo.
Algumas pessoas argumentavam que as histórias não eram reais, mas simplesmente o resultado da mente degenerada de um homem velho chamado Jude Hartford e isto fazia sentido porque outros afirmavam que conheciam o autor em pessoa e que ele era um senil que nunca tivera controle sobre a esposa e, portanto, escrevia aquelas loucuras para se sentir bem consigo mesmo.
Embora as histórias fossem anônimas, o que sugeria que eram, de fato, inventadas, algumas pessoas começaram a encontrar traços semelhantes às vidas dos vizinhos e os rumores se espalharam o suficiente para que não tivessem mais tanta certeza de que haviam sido inventadas afinal.
O impacto que o artigo de Jude teve foi tão grande que duas coisas maravilhosas aconteceram por causa dele, apesar das muitas cartas de ódio, obviamente. Primeiro, Thomas Harvey, editor e amigo, decidiu que agora era a hora perfeita de publicar o livro dela; segundo, inspiradas pelas histórias que ela escrevera, uma quantidade considerável de mulheres escreveu para contar a "ele" que elas haviam decidido deixar seus maridos e procurar maneiras de se sustentarem sozinhas.
Lady Georgie não escreveu uma carta a Jude, mas ela estava entre aquelas mulheres.
Lord Hartford ficou infeliz ao vê-la desistir do marido e até tentou convencê-la a voltar e implorar a ele que a aceitasse de volta, mas acabou aceitando a decisão dela e a acolheu em sua casa.
Não foi fácil, os colegas de trabalho não eram tão compreensíveis quanto ele, mas ele reconhecia que ela era a verdadeira vítima e não a deixaria nas ruas por isto.
Agora que ela estava de volta em casa, ela não desejava mais ser chamada de Lady Lockhart, ainda que Benjamin se recusasse a conceder-lhe a anulação.
Assim que a crise no casamento de Georgie foi exposta, ela, John, Georgiana e até Jane ouviram inúmeras ofensas e enfrentaram a todas. Contrariamente ao que Georgie imaginara, parecia que a família estava ainda mais amorosa e coesa, o que deu a ela a força que precisava para aguentar o preconceito e os conselhos indesejáveis que recebia.
Apesar de as pessoas terem sido particularmente desagradáveis ultimamente e muito dos amigos da família Hartford terem desaparecido, alguns fizeram visitas a eles para mostrar apoio, como os Bentleys.
Henry Bentley e sua esposa foram discretos e não mencionaram o assunto na frente de John e Georgiana; eles simplesmente se comportaram como convidados agradáveis e divertidos, o que já era um ato apreciado pelos Hartfords.
A filha deles, Eleanor, por outro lado, era uma amiga íntima das irmãs Hartford e falou sobre isso no momento em que as três foram deixadas sozinhas no jardim. Ela mencionou o quanto admirava a coragem de Georgie e Georgie respondeu agradecendo à Jane por visitar as senhoras, pois aquela fora uma atitude que a encorajara e que poderia ter resultado na exposição da identidade de Jane – o que poderia significar o fim da carreira dela como escritora antes mesmo que ela começasse.
Eleanor tinha grande admiração por Jane também. Ela se sentia privilegiada por ter revisado o primeiro livro de Jude Hartford e por ter sido perguntada sobre sua opinião em relação aos artigos que ela escrevera. Jane era, para ela, mais que uma amiga, mas alguém em quem podia se espelhar, pois ela estava determinada a ensinar às mulheres que elas não deveriam se contentar com pouco.
Era por isso que a senhorita Bentley estava se sentindo um pouco desconfortável com o que tinha para contar depois que Georgie entrou na casa.
– Eu entendo que o trabalho que estamos fazendo é muito importante, – ela disse à Jane –, mas receio que não seja o que sonho em me dedicar...
Jane perguntou a que ela se referia e ela desviou o olhar.
– Pensarás que sou uma tola...
– Eu jamais pensaria isso de ti – assegurou, Jane. – Agora, diz-me, o que desejas fazer?
A senhorita Bentley suspirou.
– Eu creio que devemos encorajar as mulheres a seguir os seus sonhos ao invés de serem manipuladas como objetos dos homens em suas famílias e não me arrependo de tê-la ajudado a escrever sobre isto, honestamente não; mas eu sempre sonhei em me casar, começar uma família e ser uma boa esposa para meu marido. Fui capaz de ignorar este pensamento até hoje, mas agora não consigo deixar para lá o desejo de sair do meu trabalho porque creio que encontrei alguém com quem posso dividir essas fantasias e por isso sinto que estou traindo nossos princípios...
Jane parou de caminhar.
Eleanor prendeu a respiração, preocupada que houvesse desapontado a melhor amiga, mas Jane sorriu e segurou suas mãos.
– Elle... – ela disse calorosamente ao inclinar a cabeça. – Eu pretendo encorajar as mulheres a seguir seus sonhos, não importa se incluem não trabalhar e se dedicar a ser uma boa esposa. Se tu sentes, no fundo de teu coração, que é assim que encontrarás tua felicidade, então é exatamente o que deves fazer e não deverias ter vergonha disto. Jamais estarás traindo esses princípios se te sentires livre para fazer o que desejas.
A senhorita Bentley sorriu de volta.
– Obrigada, Jane – disse ao abraçá-la. – Tens a habilidade peculiar de sempre me lembrar de coisas que já sei, mas esqueço por algum motivo.
– Fico feliz em sempre lembrá-la destas coisas, pois és tu quem me lembra que não posso desistir de escrever.
Ela deu de ombros.
– Tu és uma escritora talentosa, não há razão para desistir.
– Isto me lembra algo... Podes até largar o trabalho, mas ainda dependerei de tuas maravilhosas sugestões.
Eleanor revirou os olhos em resposta. Ela não achava que Jane dependia de suas sugestões, mas era óbvio que ela tinha grande consideração por elas.
– Não te preocupes, Jane. Estarei ocupada, mas nunca ocupada demais para deixar de ajudá-la com tua escrita.
– E não te preocupes também – Jane acrescentou. – Jamais estarei ocupada demais para preparar uma fuga de última hora em um casamento...
– Jane! – Eleanor a repreendeu.
– Estou apenas te provocando! – ela riu e caminhou de braços dados com a amiga. – Este é meu modo esquisito de dizer que sempre podes contar comigo, não importa o quão insano for teu pedido.
– Eu sei – respondeu ela simplesmente.
E ela realmente sabia que sim.
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Jude & Jane
Historical Fiction🏆 VENCEDOR DO THE WATTYS 2019 NA CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA 🏆 Eleita uma das 50 Melhores Histórias de 2019 no @AmbassadorsPT (embaixadores do Wattpad) 🏆 1° Lugar no Concurso Best Stories 2019 - Ficção Histórica 🏆 1° Lugar no Concurso Descobrindo...