Capítulo 14

1.1K 188 26
                                    

– Está bem, Tom, mas eu realmente preciso ir?

Ele tirou os óculos, esfregou os olhos, massageou as têmporas e disse-lhe que sim pela terceira vez.

Houve um momento de silêncio enquanto Jane percebia que ele estava falando sério, então ela revirou os olhos impacientemente.

– Estás lembrada de que o dono do teatro está financiando teu livro, certo? – ele perguntou. – Tu tens que ir. E é melhor que leves alguns amigos porque há seis ingressos!

– Seis?! O que o faz pensar que eu sequer tenho cinco amigos para convidar?

Tom franziu o cenho.

Escritores eram, geralmente, bastante dramáticos, mas Jane conseguia levar as coisas a um outro nível...

– Está bem! – ela disse, devolvendo-lhe dois ingressos. – Aqui um para ti e outro para tua esposa...

– Jane, por Deus! – ele bateu na mesa. – Pega estes ingressos e convida teus amigos, não é tão difícil assim!

– Mas tu és meu amigo.

– E eu fico lisonjeado, mas só me queres lá porque sabes que irei odiar a peça tanto quanto tu. Além disso, tu realmente deverias passear com gente da tua idade. Convida a Eleanor...

– É óbvio que eu irei convidá-la, mas ela é uma pessoa e eu tenho seis ingressos!

Tom respirou pesadamente.

– Eu não me importo, Jane. Apenas distribui esses ingressos. São uma cortesia, então é melhor que não deixes assentos vazios.

Jane bufou. Aquilo era tão frustrante! Não só ela teria de passar por aquela tortura como nem sequer poderia arrastá-lo com ela.

E para que servem os amigos, afinal, senão para compartilhar uma boa tortura?

De qualquer forma, ela sabia que não venceria aquela discussão, então pegou os ingressos contra sua vontade e saiu, mas pouco antes de alcançar a entrada principal, esbarrou com a amiga, Eleanor.

– Ah, graças a Deus! Receava que já houvesses saído...

E ela parecia, de fato, agitada e aliviada por tê-la encontrado.

– Estavas procurando por mim?

– Sim! – ela bateu palmas. – Eu passei em teu apartamento e Ge disse a mim que eu poderia encontrá-la aqui se corresse. Tenho notícias animadoras!

Jane pretendia perguntar sobre a que se referia, mas sequer teve tempo de abrir a boca.

– Estou noiva! – Eleanor praticamente gritou.

– Oh meu Deus, Elle! – Jane deu uma risadinha e cobriu os lábios em surpresa. – Minha doce amiga, estou tão feliz por ti! Parabéns!

Dito isso, as duas se abraçaram com tanta força que Eleanor teve dificuldade para agradecer.

Após o longo abraço, elas sorriram uma para a outra e alguns transeuntes que a haviam ouvido pararam para desejar-lhe felicidades também.

– Isso é ótimo! – disse Jane assim que ficaram sozinhas de novo. – Quero dizer, eu estava prestes a te pedir que convidasse Peter para esta peça na sexta-feira... Talvez eu finalmente tenha a oportunidade de conhecer o rapaz que a roubou de mim...

– Ah, sim! Estou tão ansiosa para que conheças Peter! Tu irás adorá-lo, Jane, tenho certeza.

– Espera, estou com os ingressos aqui... – ela abriu a bolsa. – Tom está me obrigando a ir e disse-me que não posso deixar assentos vazios porque os ingressos são uma cortesia ou sei lá, então por favor, ajuda-me e convida talvez um amigo também...

Ela pegou os ingressos e os encarou. Um para si, uma para Georgie... Bem... Depois de um segundo considerando, ela entregou apenas três ingressos a Eleanor. Ela tinha outros planos para o quarto...

– Agora que estou pensando bem, percebo que talvez não cause uma boa impressão em teu noivo ao convidá-lo para esta peça... Ouvi dizer que ela é horrível! Pensei em convidá-la porque sei que iremos apenas dar boas risadas, mas não sei se ele compartilha do nosso peculiar senso de humor...

Eleanor riu alto.

– Não te preocupes, Jane, ele é muito pior que nós duas! Garanto que ele irá se divertir muito... E já sei exatamente quem levar conosco. Peter e Edmund são a pior dupla de todos os tempos, tu irás odiá-los tanto que irás amá-los.

Jane franziu o cenho, confusa, e então deu uma risada leve.

– Com essa descrição tão intrigante, já estou ansiosa para fazer amizade com eles...

Eleanor riu.

Ela mesma estava ansiosíssima para apresentar os dois à Jane. Peter, porque era seu noivo e ela desejava que sua melhor amiga e ele fossem amigos também, e Edmund, porque ela o considerava uma pessoa incrível e com quem Jane talvez se identificasse também. Seria ótimo se os quatro saíssem juntos como amigos de vez em quando.

– Ah, eu já ia esquecendo! – disse Eleanor. – Tem algo que quero te perguntar.

Jane esperou pacientemente.

– Meu pai quer saber se tu não gostarias de falar nos seus jantares...

– Falar?

– Sim, tu sabes, como nas palestras que sempre fazem. Uma mulher falou no outro dia e as pessoas gostaram muito. Bom, ao menos a maioria. Queria que tu tivesses ouvido, foi maravilhoso...

– Mas... eu?

Eleanor revirou os olhos.

– É claro! Por que não? Tu és Jude Hartford! Todos lá ficarão encantados com tuas palavras.

Jane duvidava bastante disso.

– Que tal assim, – Eleanor propôs –, não precisas fazê-lo regularmente; apenas escreve algo curto e o meu pai pode encaixá-la no finalzinho em um dia com público reduzido...

– Não, no final, não! – respondeu Jane de olhos arregalados.

Eleanor suspirou.

– Nem no começo! – Jane continuou antes que ela o sugerisse. – Eu desmaiaria antes mesmo de desejar a todos uma boa noite...

– Tudo bem, podes ser a segunda então, não importa. Vamos, Jane, eu sei que tens vergonha, mas posso garantir que muitas pessoas que frequentam nossos jantares gostam de Jude e adorariam ouvi-la...

Jane mordeu o lábio.

Mais uma vez estava sentindo o peso das contradições entre a Jude que todos admiravam e a garota que ela realmente era. Odiava não se sentir tão forte quanto a personagem que havia criado para as páginas, mas sabia que precisava ao menos tentar. Aquelas cartas que Tom havia lido para ela e as moças que ela havia ouvido no Chá das Damas a fizeram sentir que devia algo ao seu público.

– Está bem. Escreverei algo – murmurou.

Eleanor comemorou.

– Mas não prometo nada – ela prosseguiu. – Desde o início, falar em público não fazia parte dos meus planos e eu definitivamente não me sinto pronta para tal. Sentia-me segura atrás das páginas e agora, mesmo que já tenham se passado meses, eu sinto que estou sendo exposta de novo e de novo e de novo.

A amiga simplesmente deu de ombros e respondeu:

– Isso vai passar. Eu estive contigo durante todo o processo de tua escrita. Eu a conheço como ninguém e tenho certeza que nenhum escândalo a impedirá de defender o que acreditas por muito tempo.

Jane bufou e cruzou os braços, desviando o olhar.

– Bem, espero que estejas certa sobre isso...

Eleanor ofereceu-lhe um braço para que andassem lado a lado.

– Eu estou – respondeu, piscando gentilmente.

Jane sorriu e começou a caminhar com ela.

Por mais que aquilo parecesse improvável para Jane, a certeza com que Eleanor dissera aquilo dera-lhe um pouco de esperança.

Jude & JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora