Capítulo 11

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Jane adentrou a sala como um animalzinho inocente e assustado. Havia cerca de três semanas desde que ela se mudara com a irmã para a casa dos Bentley e ela não estivera no escritório do sr. Harvey sequer uma vez. De fato, ela evitara sair da casa durante todo aquele período e não lera nenhum jornal.

Ela bem dissera ao pai, pouco antes de ir embora, que ela não iria se desculpar por quem era, mas a verdade era que, agora, este pensamento só lhe trazia vergonha. A mera ideia de sair e enfrentar a todos era completamente perturbadora e ela achou melhor pedir à Ge e Eleanor que não mencionassem o nome "Jude" por um tempo.

Jude era corajosa, destemida na busca por seus sonhos apesar de todas as desvantagens, e Jane não se sentia nem um pouco como Jude agora.

Enquanto ela não se julgasse digna de carregar o nome Jude Hartford junto de sua verdadeira identidade, não queria ouvir ou dizer nada sobre o assunto, mas estava na hora de encarar o inevitável.

O sr. Harvey ergueu as sobrancelhas para ela.

– Ora, quanto tempo... – ele disse.

Jane sorriu brevemente desculpando-se.

– Eu sei... – confirmou ela ao fechar a porta.

Ele apontou discretamente para a cadeira à frente, mas ela permaneceu onde estava de braços cruzados.

– Precisei me preocupar com outros assuntos nesses últimos dias – ela falou.

– Imagino que sim, afinal, decidiste te mudar.

Ela inclinou a cabeça, surpresa, e ele explicou:

– Tua mãe entrou em contato comigo, procurando por ti. Ela está preocupada.

O sr. Harvey apontou para a cadeira de novo e desta vez ela sentou.

Jane ficou em silêncio por alguns momentos; sua mente vagava de assunto em assunto, incluindo especular maneiras de contar à mãe que estava bem, mas sem chamar a atenção do pai para si. Não era por raiva, mas simplesmente porque ela se sentia tão distante dele agora que não queria que ele sequer ouvisse seu nome, sugerindo que ela estava tentando mandar-lhe algum sinal ou coisa do tipo; algo que ela definitivamente não queria fazer.

Mesmo o fato de estar hospedada na casa do sr. Bentley a incomodava pois ele era amigo de Lord Hartford e por isso poderia dar a entender que ela estava lá de propósito, para provocá-lo.

– O sr. Bentley tem sido muito bom para nós, – ela disse –, mas tenho tentado pensar em uma solução mais permanente, pois não posso me aproveitar de sua hospitalidade para sempre...

O sr. Harvey deu de ombros.

– Por que não alugas um apartamento?

Jane piscou, confusa. O dinheiro que possuía das vendas da primeira edição de seu livro eram suficientes para pagar os primeiros meses, mas não duraria muito tempo, já que ela levaria Georgie com ela.

– Eu não posso pagar por isso – ela soou óbvia, o que fez o sr. Harvey franzir a testa.

– Desde quando?

Jane riu e levantou os ombros repetidamente, sacudindo as mãos e abrindo a boca diversas vezes antes de começar a dizer algo.

– Bem... – ela disse. – O quê? Achas que eu devo começar a escrever com um novo pseudônimo? As pessoas não suspeitariam; mesmo que eu não cometa a estupidez de manter meu sobrenome ou sair entrevistando pessoas?

– Claro que suspeitariam, qualquer um reconhece teu estilo de escrita.

Jane arregalou os olhos e sacudiu as mãos no ar mais uma vez.

– Então, o que esperas que eu faça?

– O mesmo que tens feito nos últimos meses! – ele imitou os gestos dela.

Jane simplesmente o encarou, completamente confusa e, ao encará-la de volta, ele finalmente entendeu o problema.

– Espera aqui – ele pediu ao levantar e deixar a sala, carregando um grande saco verde ao retornar.

Jane assistiu, atônita, enquanto ele levantava o saco, abria-o e virava-o de cabeça para baixo, fazendo uma "montanha" de cartas cair sobre a mesa na frente dela.

Então, ele calmamente começou a separar as cartas, lendo as duas primeiras frases antes de descartar uma e pegar outra.

– Aposto que tu evitaste jornais ultimamente, então provavelmente não leste a nota de apoio que o Jornal do Amanhã publicou junto com citações de algumas destas cartas que enviaram para cá...

Jane esperou.

– Há... bastante ódio... – ele disse analisando uma das cartas. – Algumas ameaças... – ele analisou outra. – Mas algumas... – ele sorriu ao ler a quinta carta – até que... são solidárias...

Tom pigarreou antes de começar a ler em voz alta:

Querida Lady Hartford, desde que teu artigo sobre as esposas maltratadas saiu, eu organizei um grupo de mulheres para discutir textos como os teus e compartilhar experiências. Tais reuniões se tornaram mais regulares com o tempo e muitas outras mulheres mostraram interesse em fazer parte do que, hoje, chamamos orgulhosamente de Chá das Damas. As Damas ficaram muitíssimo animadas quando descobriram que, afinal, foi uma mulher que inspirou o projeto e adoraríamos recebê-la em um encontro.

Tom pôs a carta na mesa, então recomeçou a busca através da pilha, descartando cartas de ódio.

Preciso admitir que sempre pensei que Jude Hartford entendia as mulheres bem demais para ser um homem – ele leu. – Saber que uma jovem foi corajosa o suficiente para fazer as reclamações que todas temos medo demais de fazer certamente é um bom incentivo para que tomemos as rédeas de nossas vidas. Obrigada, Lady Hartford, por fazer o que eu sempre deveria ter feito e por dar-me a coragem de fazê-lo de agora em diante; lutar por mim mesma e minhas irmãs.

Ele pegou outra.

Tuas opiniões políticas são muito interessantes e inteligentes, mesmo que sejas uma mulh... Oh, esqueça que eu li esta baboseira!

Jane riu da reação de Tom, que riu junto enquanto voltava à busca.

Céus, sou tão grata pelo fato de que os melhores artigos dos últimos meses foram escritos por uma mulher! Não deve ter sido fácil ter tua identidade exposta, mas espero que isto não pare Jude Hartford. Ela deu-me a coragem para agir como quero e nem sempre como esperam que eu aja, portanto creio que ela também não dará a eles o que eles querem: o silêncio. Queremos ouvir Jude agora mais do que nunca. Não desista de Jude agora, Lady Hartford, pois ela não desistiria de nós.

Ele pôs a carta de lado, encarando-a desta vez.

Os olhos dela estavam distantes, mas um sutil e trêmulo sorriso apareceu em seus lábios.

– Eles pensaram que, expondo que Jude é uma moça, arruinariam Jude e impediriam seu sucesso – disse o sr. Harvey. – De fato, não são muitos os que estão satisfeitos com a ideia de uma mulher dando sua opinião, mas essas mulheres aqui estão agradecidas porque uma mulher fez isto, porque Jude fez isto. Para elas, Jude é a voz delas e está ensinando-as a usar suas próprias. Tu não precisas de um novo pseudônimo; tu não precisas te esconder.

Jane suspirou e uma lágrima finalmente escorreu por sua face. Seu sorriso era bem maior agora.

Ela havia recebido muitas cartas admirando Jude antes, mas nenhuma daquelas cartas havia sido endereçada para uma mulher, uma pessoa que devia estar se preocupando com a própria reputação e não com política. Aquelas cartas eram endereçadas a um homem que estava fazendo algo que homens estavam acostumados a fazer, mas as cartas que o sr. Harvey acabara de ler estavam agradecendo à Jude, uma mulher que não tinha medo de fazer o que havia nascido para fazer. Jude era maior que Jane, ela era metade da população.

– Além disso, – ele continuou, sorrindo presunçosamente –, lembras de quando teu livro esgotou e decidimos fazer mais cópias? Bem, aparentemente, podes pagar o aluguel tranquilamente porque as últimas cópias de "Onde Acaba a Liberdade e Começa a Lei" esgotaram... De novo.

Jude & JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora