Capítulo 6

1.6K 299 160
                                    

"O novo governo é, em conclusão, apenas uma nova forma de deixar as coisas antigas," Edmund leu em voz alta para seus amigos da turma de direito.

Ele suspirou.

– Eu disse que esse tal de Hartford era bom! – disse um rapaz magricela sentado ao lado dele.

– Peter, – respondeu Edmund –, estás sendo injusto em classificá-lo como bom. O homem é um gênio! Estou até pensando em citá-lo na minha próxima redação...

Peter rapidamente arrancou o jornal de suas mãos.

– Não te atrevas! Nem sequer terias ouvido falar dele se não fosse por mim; as frases eloquentes dele vão garantir as minhas boas notas.

Edmund deu de ombros.

– Não é como se eu precisasse mesmo...

Os rapazes reviraram os olhos e o pequeno Peter tentou dar um soco no braço de Edmund, o que só causou uma risada de todo o grupo.

– Juro por Deus, Hawkins, – disse Peter, fingindo indignação –, um dia tu vais acabar sentindo ao menos cócegas...

Todos riram novamente. Era sempre assim quando estavam juntos, pois não eram apenas colegas da universidade, mas amigos desde muito antes.

Ed havia permanecido fiel à maioria de seus ideais revolucionários durante aqueles anos. Ele participara de protestos de rua, reuniões, palestras e ajudara a distribuir vários panfletos com muitas ideias "proibidas".

A única coisa que havia mudado era que agora ele desejava seguir carreira como advogado, e mais tarde, como juiz.

O então chamado governo democrático acabou sendo uma grande decepção para Ed e Jane.

Ele percebeu que o mundo com o qual sonhava, um mundo de verdadeira igualdade, estaria fora do alcance se ele insistisse em ir pelo caminho que uma vez desejara. As regras precisavam ser mudadas e tornar-se parte da máquina do inimigo era a melhor maneira de fazê-lo. Ele queria estar no centro de onde as mudanças acontecem.

Quanto à Jane, ela era a prova viva de que a democracia só existia para poucos. Ela lutara na infância para adquirir a educação que realmente almejava ter, estava lutando para se tornar uma autora e estava devastada com a noção de que sua irmã lutava contra o medo constante dentro de sua própria casa. Esta lista só a deixava mais convicta de que a promessa do governo de igualdade não incluía quem havia nascido mulher e isso precisava mudar.

Jude Hartford tinha relativo sucesso em convencer ou inspirar leitores como Ed e Peter disso, mas Jane estava tendo dificuldade para convencer Georgie de que ela deveria ignorar a pressão social e fazer o que era melhor para a sua saúde: deixar Benjamin Lockhart.

– Ge, – ela disse um dia –, não podes continuar assim. Deves sair desta casa o mais rápido possível.

Georgie fechou os olhos por um longo período. Ela parecia estar prestes a chorar, mas simplesmente sussurrou:

– Sabes que não posso, Jane.

– Sim, tu podes. Está tudo bem ficar assustada, mas deves parar de se importar tanto com o que os outros irão pensar. Além disso, deves lembrar de que não estás sozinha.

Georgie bufou.

– Eu sei que tu te importas comigo, mas não tenho certeza se o papai pensa da mesma forma.

– É claro que pensa, Ge! – bradou ela. – Quantas vezes ele ameaçou Lockhart desde que descobriu que ele não a respeitava?

– Isso é inteiramente diferente – Ge argumentou. – Uma coisa é proteger-me de um homem violento e outra é receber em casa uma garota que abandonou o marido...

Jane inclinou a cabeça e encarou a irmã nos olhos calmamente.

– És a filha mais velha dele; ele sempre irá apoiá-la – ela disse. – Isso sem contar que ele escolheu casar por amor, não por dinheiro ou status, que aliás mereceu pelo seu esforço. O coração dele está no lugar certo.

Georgie desviou o olhar e balançou a cabeça em descrença.

– Ainda creio que as coisas ficarão ainda piores...

Jane passeou os dedos pela testa e ajustou uma mecha do cabelo enquanto tinha uma ideia:

– E se eu conversar com outras moças em situações similares à tua?

Ge ergueu uma sobrancelha em resposta.

– Outras moças?

– Sim! – falou Jane, corrigindo a postura. – Sei que tu não és a única passando por isso e irei provar que esse problema é muito maior do que pensamos.

Georgie sorriu.

– Pensei que estavas tentando fazer eu me sentir melhor...

Jane sorriu de volta.

– Entendeste errado. O que quero dizer é que não trata-se apenas de ti, Ge, mas sim de homens pensando nas mulheres como se fossem uma de suas propriedades. Não está acontecendo porque és uma esposa ruim ou azarada na escolha de um marido, está acontecendo porque não és um homem. O mundo está repleto de Benjamin Lockharts se comportando vergonhosamente e sem receber nenhuma repreensão por isto. Eu juntarei histórias dessas mulheres e escreverei um artigo sobre o assunto.

– E achas que irão publicá-lo?

Jane deu de ombros.

– Tom disse que o dono do "Jornal do Amanhã" está bastante satisfeito com a repercussão que Jude tem oferecido ultimamente. Quero dizer, Jude não é nem de perto tão famosa quanto os outros escritores que ele publica, mas mesmo assim...

Ge fechou os olhos novamente. Ela sempre parecia que estava cansada demais para se mover numa velocidade normal.

– Não creio que muitas esposas passem por... isto, – disse Ge –, mas mesmo que passem, como planejas falar com elas? Nenhuma mulher sai contando para jornalistas sobre o quão horrível seus maridos acham que elas são.

Jane sorriu radiante e Ge soube naquele exato instante que a mente de Jane era a própria oficina do inominável.

– De fato, nenhuma mulher sai contando essas coisas parajornalistas... Jornalistas homens, é claro.

Jude & JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora