Eu gosto de você

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Emma


Acordar. Parece que o meu corpo não vê a hora de finalmente me colocar em pé e fazer eu encarar mais um dia. Algumas pessoas insistem que esse momento é sagrado e que devemos agradecer todos os dias por estarmos podendo recomeçar, dizem que é uma nova chance. Olho para a bagunça do meu quarto e da minha vida e, sinceramente, não vejo novas chances se iniciando aqui. Eu poderia citar muitas coisas pelas quais sou grata e coisas que fariam eu ter vontade de acordar, mas na realidade eu só penso nos pequenos desastres que fazem eu não querer ter o tal recomeço. Eu odeio acordar! Sempre digo que se eu fosse escolher algum tipo de morte, com certeza, eu escolheria a morte que acontece enquanto eu durmo, porque dormir é a melhor coisa do universo. Quando eu fecho os meus olhos sinto que toda a dor e sufoco foram embora, mas infelizmente a cada dia que passa tenho menos esses momentos de liberdade, pois está cada vez mais difícil dormir e cada vez mais fácil me manter acordada.

Olho para a Candice que dorme tranquilamente e a invejo, queria conseguir dormir assim. Eu tive duas ou três horas de sono esta noite, me sinto bem, porém queria ter tido mais.

Quando finalmente coloco as minhas roupas de treino e vou em direção a porta do meu quarto a Candy me surpreende.

— Às 5 horas, sério, Emma? — a voz dela está baixa e dá para sentir que está sonolenta.

— Vai dormir, Candy. — digo e abro a porta do ambiente. Eu amo o meu quarto, sério, eu amo mesmo. Ele é um local no qual eu me sinto confortável e calma, geralmente nas minas semanas de depressão severa ele se torna o meu melhor refúgio, eu simplesmente troco os pincéis e a tinta pela minha cama e passo dois ou três dias nela. A Candice nunca reclamou por eu ter esses momentos, ela apenas pergunta algumas coisas e depois muda de assunto, nunca prolonga ou me obriga a fazer algo que eu não queira. Até hoje eu não sei se isso é por ela me respeitar ou por ela não entender e preferir deixar de lado, mas eu, sinceramente, não me importo, porque quanto menos gente se metendo na minha vida melhor.

Chego ao jardim dos alojamentos, respiro fundo e então começo a correr, e corro rápido. Não tem muita gente, na verdade, não tem quase ninguém, são poucos os alunos que correm neste horário. Alguns praticam isto para ter uma vida mais saudável, eu prático porque gosto de me sentir livre, sim, eu sinto uma liberdade imensa ao correr, pois não penso em nada além do meu objetivo. No caso, o meu foco agora é rodar a pista 50 vezes, porque o frio está dominando e eu quero queimar.

*

Aos poucos vou desistindo, não sei se consegui alcançar ou não o meu objetivo, pois eu parei de contar no 37, só sei que estou suando bastante. Esse momento me recordou quando eu era obrigada a correr na escola, eu odiava, mas adorava o meu professor de educação física, o Julian, ele era muito atraente e isso me mantinha focada em ir às aulas. Eu sempre chegava muito cansada em casa e falava para a minha mãe sobre o meu plano de acabar com todos os professores de educação física, eu sempre esperei que ela fosse rir dos meus planos, mas ela só ignorava. Não teve nada que minha mãe não tenha ignorado sobre mim. Antes eu saía dizendo para todos que ela era professora do jardim de infância e que aos finais de semana me levava para sair, eu mentia dizendo que jamais precisei de um psicólogo, porque eu desabafava com a minha mãe. Eu sempre quis que não se preocupassem comigo e que apenas sentissem inveja por eu ser tão feliz, então, a mentira sempre foi a minha melhor aliada. A minha mãe não é professora, mas sim juíza, apesar do emprego ele nunca a impediu de ser presente na minha vida, porque a única pessoa que impediu isso foi ela mesma, ela também não me levava para sair aos finais de semana nem me perguntava sobre o que estava acontecendo. Eu não tive mãe, eu apenas tive a sorte de ter alguém com dinheiro e que me desse liberdade de fazer o que eu quisesse. Isso seria bom? Sim, mas para mim nunca chegou perto de ser bom visto que quando eu chegava drogada em casa depois de passar dois dias fora a única coisa que ela perguntava era se eu tinha alimentado o gato. Os anos foram passando e ela só piorava, a minha mãe chegou a presenciar a minha última tentativa de suicídio e também chegou a estar ao meu lado assistindo TV quando eu comecei a ter alucinações por causa da minha mania. Ela estava lá, mas não fez nada, simplesmente nada, nos dias seguintes fazia o de sempre, fingia que não tinha visto nada. Por tudo isso e mais um pouco que eu digo que amo o meu quarto dividido com a Candy no alojamento estudantil e não a minha mãe, não algum parente ou amigo, eu amo o meu quarto e odeio acordar.

Pinte a sua dor | kth [CONCLUÍDA] Onde histórias criam vida. Descubra agora