III

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(Thaís)

Gael era uma criança tranquila. Ele não fazia grandes exigências. Sua diversão era assistir Pokémon e brincar com seus diversos carrinhos. No começo ele estava tímido, mas aos poucos fui ganhando sua confiança. Sempre que eu lhe pedia um beijo e um abraço, ele me dava. Dono de um sorriso encantador, ele formulava apenas pequenas palavras, tais como: dá-dá, pá-pá, psiu, neném, pato (referindo-se à sapato) e calo (referindo-se à carro).

A única parte verdadeiramente chata em ser babá é a hora de trocar a fralda. É incrível o fato de como uma coisinha tão linda e indefesa seja capaz de produzir algo tão horrendo e fedido. Nunca que eu conseguiria me acostumar com isso. Era apenas meu segundo dia de trabalho e eu já não via a hora do Gael começar a usar o penico.

***

– Posso entrar? – Olhei para trás, vendo Richard parado na porta do quarto. Eu havia acabado de ter feito Gael dormir, então meneei negativamente a cabeça, fazendo sinal para que ele fizesse silêncio. Saí do quarto e o cumprimentei no corredor. – Tudo bem?

– Tudo sim e com você?

– Estou ótimo! – Sorriu. – Escuta, acha que consegue me ajudar a tirar o Zé de casa?

– Como assim? – Perguntei sem entender.

– Amanhã é aniversário dele e esse bunda-mole não vai querer sair do quarto. Depois do acontecido, ele se isolou, sabe?! – Assenti. – Não sei se você percebeu, mas ele não consegue se aproximar do Gael, pois o culpa pela morte da Emilly. A ideia de te contratar foi para que você ajude não só na criação do meu afilhado, mas que me ajude a devolver a vontade de viver para o Zé.

– É uma situação complicada né?! – Argumentei com hesitação. – Como posso ajudar?

– Posso te ligar mais tarde? – Perguntou. – Não quero que o Zé ouça e atrapalhe nossos planos.

– Tudo bem. – Richard se despediu beijando-me o rosto; aproveitei que Gael dormia para tomar banho. O clima estava insuportavelmente quente. Após o banho gelado, fui preparar a janta. Gael ainda mamava na mamadeira, mas também já se alimentava com comida. Fiz arroz, feijão e carne de panela com legumes. Quando estava limpando a cozinha, fui surpreendida por José que me acompanhava com o olhar.

– Boa tarde. – Cumprimentou em seu tom casual.

– Há quanto tempo está parado aí me olhando? – Perguntei incomodada.

– Não muito. – Deu de ombros. – Podemos jantar?

– Você pode. – Respondi, terminando de lavar a louça. – Vou olhar o Gael.

– Acabei de vir do quarto dele... Ele está dormindo. Janta comigo e depois que ele acordar, você dá a janta dele. – Eu não estava com fome, mas resolvi não contrariar. Servi meu prato e fui comer na sala. Pouco tempo depois, José se juntou a mim.

– Cara... Você é chato. – Falei, cruzando as pernas no sofá. Ele arqueou a sobrancelha, me olhando indignado.

– Desculpe?!

– É... Você é meu chefe. Passou o dia inteiro trancado no quarto e agora quer companhia para jantar?

– Eu estava trabalhando. – Disse, sentando-se do meu lado.

– E agora está carente? – Perguntei, virando meu rosto a fim de encará-lo.

– Você é engraçada. – Deu de ombros, ligando a TV. – Podia ter fritado umas batatas né? – Questionou dando uma garfada na comida.

– Quer que eu frite? – Perguntei pacientemente, pensando apenas em meu salário.

– Não... – Deu outra garfada. – Mas gostaria que você não inventasse moda amanhã.

– Como?

– Ouvi Richard falando com você.

– Hm... – Dei de ombros. – Quantos anos você vai fazer?

– 28.

– E o que custa sair para comemorar?

– E eu tenho o que comemorar? – Perguntou, lançando-me um olhar frio.

– Sim! – Não me intimidei. – Você é um cara bonito, com saúde e tem um filho lindo também com saúde. Foi sua esposa que faleceu e não você. Não quero que pense que estou sendo insensível, até porque cada um sabe a dor que sente. Mas cara... Você não pode se prender ao passado.

– Só... – Respirou fundo. – Só não invente nada. Vou aproveitar meu dia com Gael.

***

No dia seguinte, após chegar do treino na academia, José pediu para que eu colocasse uma roupa confortável em Gael, pois iríamos ao Parque do Ibirapuera. Como fora a primeira vez no dia que eu o vira, cumprimentei-o com um abraço e lhe desejei feliz aniversário. Na noite anterior Richard me ligou. Contei-lhe sobre minha conversa com José e ele decidiu respeitar a decisão do amigo, pedindo para que eu o avisasse quando retornássemos, pois ele iria passar em casa para levar o bolo preferido de José.

– Podemos ir? – José perguntou quando me viu entrando na sala com Gael. Caminhei até ele, entregando-lhe o menino.

– Sim, podemos. – Respondi.

O passeio no parque foi bem tranquilo. Caminhamos, fizemos piquenique e nos entupimos de algodão doce. Era nítida a alegria de Gael por estar junto com o pai, e esse, por sua vez, amoleceu o famigerado coração de pedra. Parecíamos uma família feliz. Digo isso porque eu já estava muito aperfeiçoada a Gael, e todos que passavam do meu lado diziam o quanto nosso filho era lindo.

À noite, como prometido, Richard fora visitar o amigo. Ele ainda insistiu chamando-o para sair, pois abrira um barzinho ótimo não muito longe dali. Mas como era de se esperar, José negou. Ele pediu pizza e comemos junto com o bolo que Richard trouxe. Quando Gael dormiu, levei-o para o quarto e aproveitei para tomar banho. A conversa com os meninos estava boa, entretanto, eu já havia me envolvido demais e não era essa a relação que eu queria com meu chefe e seu melhor amigo.






Uma babá exemplarOnde histórias criam vida. Descubra agora