Desvio para o Vermelho

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Sierra cantarola, pela décima vez, o refrão de La Question, de Françoise Hardy, em um francês de dar desgosto. Ela passeia pelo jardim da mansão, com um vestido esvoaçante, em frente à minha janela, enquanto colhe algumas flores com uma pureza cênica. Seria uma linda visão, em um filme de Fellini, se não fosse a irritante auto consciência que ela tem da própria beleza.

O som de sua voz estridente invadindo minha janela é encoberto por uma voz masculina atrás de mim.

- Você é um imbecil.

Sim, eu sei.

- Bom dia para você também, Drogo!

- Lorie não quer comer! Resolva isso, já que a culpa é inteiramente sua. E par-dessous tout, mande sua nova namorada parar de assassinar meu idioma pátrio porque ela acha charmant. Já basta Viktor fazendo isso porque passou meia dúzia de dias em Paris durante a guerra!

- Drogo ela não é minha....

O som das portas batendo ao longe confirma que já o perdi.

Como vou arrumar essa bagunça?

Minha relação com Viktor está restrita ao mínimo da obediência de suas ordens, meus irmãos estão desapontados comigo e tudo ao meu redor está desabando...

Mas eu falhei demais com Sierra para dar as costas a ela novamente.

Não posso perder esta chance de tentar trazê-la de volta.

A foto em preto e branco, já amarelada, em minha caixa de memórias, mostra sua imagem sorrindo para mim, com flores nos cabelos loiros. Sierra não deveria ter mais que dez anos quando tirei esta foto. Ela ainda tinha aquela inocência sonhadora da garota que conheci.

Nunca tivemos grandes conversas sobre a vida e sobre o mundo. Sierra nunca fez mais do que tangenciar o entendimento sobre meus projetos e sobre uma parte de mim 

Mas ela tinha uma alegria, uma vontade de viver, que eram capazes de me tirar de meu recolhimento desde que eu era um menino.

Nada parecido com a afetação desse personagem que ela encena...

Fecho minha janela, irritado.

Sete dias já se passaram sem Victória. Sete dias sem tê-la em meus braços, sem o cheiro dos seus cabelos no meu travesseiro... E sem o direito de reclamar nossa vida de volta.

Tento ler as notícias, me concentrar em qualquer coisa, mas a voz de Sierra já se infiltrou meu cérebro.

Os passos se aproximando da porta apenas aumentam minha impaciência.

- Drogo, me deixe em paz por fav...

- Desculpe, eu deveria ter avisado que viria!

Sinto como se uma costela tivesse sido arrancada de meu peito sem anestesia. Nada no mundo me prepararia para vê-la, encostada no batente, me encarando com seus olhos indescritíveis. Há essa irradiação febril de coragem por trás da dor e do cansaço estampados em seu rosto.

Como ela é linda...

- Nicolae, estou passando para me despedir. Estou mudando de Mystery Spell! Não quis sair sem agradecer à vocês por tudo o que fizeram por mim!

Seu tom de voz oscila entre uma casualidade fingida e uma motivação feroz, pontuado por um sorriso triste. Mas a delicadeza de sua fala não amortiza o baque da notícia.

- Embora? Para onde?

- Vou para a Itália. Havia uma vaga para pós doutorado sendo oferecida pelo laboratório, e bem... eu aceitei!

O imortal - Is it Love?Onde histórias criam vida. Descubra agora