Um baile nas sombras - Parte II

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O envelope sobre a mesa de canto parece ter vida própria, com a presença sombria que emana do reflexo dourado pálido de seus arabescos, inundando o quarto. Engulo em seco, mil vezes, tentando desanuviar a intuição opressora de que essa noite não poderá acabar bem.

Ouço os passos de Victória, ressoando pelo chão do quarto, repetidamente. Acreditando estar anônima, seus movimentos ansiosos me mostram que ela está tão apreensiva quanto eu a respeito dos resultados dessa noite. Não uma ou duas vezes, Victória acordou a noite, atravessada por pesadelos.

Mas sei que ela não irá me deixar duvidar de sua coragem.

Não seria minha Victória se fizesse de outra forma.

Neste acordo silencioso, decidimos que não tiraríamos um do outro ao menos a ilusão da esperança.

Não compreendo muito bem o motivo de ter colocado, no bolso de meu paletó, o anel de noivado, herança de minha família. Mas estou certo de uma coisa.

Não foi um gesto de fé.

Desço as escadarias, sentando-me no sofá da sala para esperar Victória.

O som do farfalhar do tule chama a minha atenção e fico imediatamente sem ar. Victória não está simplesmente bonita. O corpete dourado desenha sua cintura à perfeição, se abrindo delicadamente em uma saia cujos reflexos acompanham languidamente seus movimentos tímidos, quase incertos. Encaro seu olhar, profundo, os olhos faiscando emoldurados pela maquiagem. Ela é tão adorável destoando deste mundo de luxúria e ostentação, que ao invés de ser um defeito, torna a qualidade de sua beleza ainda mais sublime.

- Uau, Victória...

Ela protesta, diante de minha expressão.

- Eu pareço um peixe fora d'água!

- Não. Você parece com alguém que faria a vida marinha aprender a respirar ar somente para vê-la... Nenhum homem vai ser capaz de parar de olhar para você...

O que me lembra, imediatamente, de que ela não é meu par para o baile de formatura.

Coloco meus braços ao se redor, de forma protetora.

- Victória. Eu preciso estar certo de que você será capaz de não se colocar em perigo.

- Nicolae, já repassamos isso centenas de vezes...

- Ouça Victória. Festas de vampiros não são coisas bonitas de se ver. As coisas podem ir longe demais. Pode ser que você veja pessoas sendo usadas de formas tão violentas que você vai querer ajudá-las, e você não poderá, sob o risco de nós dois sermos mortos. E depois de ver inocentes sendo feridos sem poder fazer nada, isso nunca deixará de assombrá-la. Você tem certeza de que deseja seguir por esse caminho?

- Céus...

É a primeira vez em que vejo um brilho de dúvida atravessar seus olhos. Não poder lutar, algo tão inato de Victória, era algo que ainda havia sido colocado na equação. Ela suspira profundamente.

- Alguma outra ideia?

Olho pare ela, resignado.

- Não...

- Então não há outra escolha. É isso ou encarar Viktor, seja lá o que a profecia nos reserva... Vamos. Não aguento mais essa espera!

O caminho até a vila dos originais é tão descaradamente fácil que somente um predador implacável poderia usar semelhante lugar para um esconderijo. No alto de uma serra, o castelo se ergue, orgulhoso, sem qualquer proteção aparente. Cercados pela floresta ao redor, os portões falham miseravelmente em revelar qualquer invasor que se aproxime.

O imortal - Is it Love?Onde histórias criam vida. Descubra agora