O Rio.

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O amanhecer pinta a imensidão da massa d'água com reflexos alaranjados, enquanto nos aproximamos do porto fluvial. O suor já orvalha meu rosto, apesar de a manhã mal ter começado, antecipando mais um dia de calor. 

Flutuando pacificamente no cais, o barco que alugamos reluz com as primeiras luzes do dia em sua carcaça de metal. Esteban e eu revistamos cada detalhe de nosso equipamento, terminando os preparativos para navegar o Amazonas, rumo ao Rio Napo. 

Enquanto ele se acerca do carregamento, eu me dedico à checar a mecânica do barco. Apesar de saber muito pouco sobre dirigir um barco, entendo o suficiente de motores para tentar ser útil.

 Quando começo a minha tarefa, percebo o olhar de Esteban sobre mim.  Sua expressão é de alguém que estivesse vendo um alienígena limpar as velas do motor...

- Espero que você saiba o que está fazendo... Não pretendo voltar nadando, preciosa!

- Esteban, tenha um pouco de fé! Eu sou engenheira, lembra-se?

Fico imediatamente envergonhada por usar a cartada do diploma, mas a incredulidade de Esteban apenas aumenta minha ansiedade.

 Não levanto o rosto para encará-lo, mas sinto minha nuca queimar sob seu olhar curioso, que se demora sobre mim. Recoloco as velas no lugar, terminando de parafusar a tampa do motor. 

- Eu nunca vou me acostumar a isso...

- Se acostumar a que?

Encaro Esteban, esperando um comentário sarcástico, mas sua expressão é de uma intensidade ardente.

- A ver você sempre cinco passos à frente do que eu esperaria de qualquer outra pessoa que conheci... 

A franqueza de Esteban me deixa completamente desconcertada. Abro minha boca, incapaz de dizer qualquer coisa. Felizmente, ele não espera muito por minha resposta, entrando na cabine do barco.

- Vamos, preciosa. Ainda temos muito o que fazer aqui dentro!

Eu o sigo, sem conseguir encará-lo. Limito meu olhar às luzes no painel de controle, enquanto Esteban checa os equipamentos de navegação.

Não saio do lado de Esteban enquanto ele realiza os procedimentos de segurança, tentando absorver cada detalhe. Sei que nossas vidas podem depender da minha capacidade de nos trazer de volta se algo acontecer a ele.

O pensamento de qualquer mal atingir Esteban embrulha o meu estômago. Com o rosto inchado pela noite mal dormida, ele observa, apreensivo, uma espécie de radar eletrônico.

Vendo-o absorto na tarefa, crio coragem para olhar para ele. Esteban ainda tem uma marca de travesseiro em uma das bochechas, como um menino que tivesse acordado atrasado para a aula.

É adorável...

Eu me flagro, sorrindo através da tensão. Cubro sob centenas de recriminações o que não assumo nem mesmo em meus pensamentos.

Concentre-se Victória...

Diferente do veleiro de Esteban, este barco não é muito grande. Na cabine, mal cabem duas pessoas estendidas. Mas ele pareceu o mais sólido dentre os que encontramos para alugar em Iquitos.

- Eu achei que a faria desistir, mas eu estava enganado... Você combina com essa vida, Preciosa...

Inspiro profundamente, sentindo o Sol lamber meu rosto. A despeito de toda a dor pelo que deixei para trás, uma parte de mim parece ter nascido para isso.

O imortal - Is it Love?Onde histórias criam vida. Descubra agora