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Vinte e quatro horas antes da tempestade...

"Foi preso hoje o homem que chacinou a família a machadadas em uma fazenda no interior do município de Caçapava do Sul. Transtornado, o homem alega ter sonhado que sua esposa e filha tiveram seus corpos tomados por alienígenas, e que era sua obrigação vingá-las, mas quando acordou, já estava sentado na soleira da porta, com a arma do crime em mãos. O crime que causou comoção na comunidade..."

Gaya assistia pasma a notícia que passava através de uma vitrine, de uma pequena loja na rua Benjamin Constant, enquanto sua irmã permanecia ao lado retorcendo o rosto, sensível ao fato.

— Meu santo Deus! – exclamou Amora para a irmã.

A garota de cabelos loiros girou o rosto tentando esconde-lo da televisão, apertando os dedos finos na camiseta de Gaya, enquanto a repórter narrava o relato dos policiais que atenderam ao chamado.

— Amora, tu se esconder da televisão não vai mudar o mundo, não – disse, envolvendo o braço no ombro da irmã.

— E tu acha que eu quero mudar o mundo, Tchê?! – disse a menina ainda escondendo o rosto –, só não suporto esse tipo de coisa. As pessoas deveriam ser melhores que isso! – O lábio inferior estava agora entre os dentes.

— Eu sei, eu sei, guria...

Mesmo em momentos assim, Gaya sempre sorria ao notar a enorme diferença entre ambas. Embora fossem gêmeas, Amora era a típica universitária popular, enquanto ela optava pelo estilo "homenzinho", como as colegas gostavam de enfatizar. Neste ponto ela preferia dar ouvidos somente a mãe, que a chamava de rainha e a irmã de princesa, sempre enfatizando que ambas tinham seu próprio brilho real.

Sem dizer nada, Gaya deixou-se guiar pelo instinto maternal e desceu a mão até a cintura da irmã, puxando-a para longe da televisão. Atos como estes já eram rotina na vida de Gaya. A menina sempre teve que proteger a irmã, e o fazia com gosto.

Amora permaneceu com o rosto escondido enquanto andavam, refletindo o porquê daquilo tudo estar acontecendo. Era o quinto assassinato em menos de uma semana, ambos com requintes tão cruéis e explicações absurdamente insanas, que causavam náuseas. Ela se lembrava do primeiro, a justificativa levava a uma maldição supostamente lançada há meio século, durante a semana farroupilha, mas aquilo era um absurdo. Pensava que contos de bruxa e maldições eram só história para assustar bebês.

— Tu já pode olhar, se quiser – disse, rindo.

A voz grave da irmã arrancou Amora de seus devaneios, e só então ela notou que ainda estava com o rosto colado no ombro da irmã

— Ah... – disse, sentindo-se envergonhada.

Amora passou a mão pelos longos cabelos e os pôs frente ao busto, na mesma hora que um garoto passava, devorando-a com os olhos. A angustia da menina se diluiu, e ela não evitou o sorriso malicioso.

— Amora! – exclamou Gaya

A irmã presenteou o flerte da outra com um sorriso e um soco no ombro.

— Que foi? – Levou a mão ao lado do rosto enquanto olhava disfarçadamente para trás. – Ele é mega bonitinho, olha só aquela bundinha.

Gaya olhou para trás com um levantar de sobrancelha e uma franzida de lábios, retornou para Amora com a carranca ainda armada.

— É sim, mas e o teu namorado?

— Ué, uma garota não pode deixar as opções em aberto? – disse com um sorrisinho malicioso – E outra, tâmos na faculdade, né? Coisas assim não acontecem durante a vida toda.

3 DIASOnde histórias criam vida. Descubra agora