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Já era o quarto paciente que precisava ser contido. Lucélia improvisara as amarras com lençóis que encontrou pelos corredores do hospital. Alguns ainda estavam sujos, mas a mulher não tinha outra escolha, ou era isso ou ter o pescoço entre as unhas de algum paciente delirante. O que mais a preocupava naquele momento era a luz pouco intensa que saia do celular. Sem luz não poderia cuidar do restante dos pacientes, ou até poderia ser atacada por um.

O médico entrou pela porta da enfermaria, uma das mãos manchada com o sangue arrancado pelo paciente idoso e com o óleo do gerador. O jaleco encardido já não estava mais em seu corpo, Lucélia o confiscara para conter um dos pacientes antes mesmo que ele fosse até o subsolo conferir o gerador.

— Nada?

— Bah... Nem sinal. Acho que aquela porcaria tá tão velha que a ferrugem já comeu todas as engrenagens.

— Eu tô ficando sem bateria... Não dá pra trabalhar no breu, tchê.

— Te acalma, Lu. Eu desliguei o meu celular e a Geovana também. Quando o teu falecer a gente liga um outro.

— Tá, mas e se meus pinto me ligarem, Tchê?

Elton balançou a cabeça.

— Duvido que tu consiga... Não foi só a força que caiu. Meu celular tá sem área e o da Geovana também. – disse, dobrando as mangas da camisa – Vou te ajudar em tudo que eu puder, Lu, mas tenho que dizer uma coisa pra ti: Hora ou outra a gente vai ter que encarar aquela recepção... Não dá pra deixar os corpos pegando aquela chuva infernal...

Lucélia sentiu os olhos arregalarem ao mesmo tempo em que a boca se abriu. Ela tinha esquecido do recepcionista e do motorista da ambulância. "Deus, como iria se lembrar, fora atacada no momento que corria para a recepção." – pensou. Ela meneou a cabeça, apertando os lábios, voltando sua atenção para o aparelho de pressão com o qual media a pressão de um dos pacientes.

— Hein, como a Geo tá?

O médico suspirou novamente, caminhando para perto da enfermeira.

­— Ela tá bem. Tá sesteando, a coitada... Dei pra ela o mesmo antibiótico que tomei... mas bah, tô me roendo de preocupação, tchê! Não sabemos o que eles têm, não sabemos se é contagioso...

Lucélia já liberava o ar do esfigmomanômetro ouvindo atentamente o que o médico dizia.

— Te acalma, homem. Se pelo menos o Luiz não ti...

Ela se interrompeu, encarando os olhos abertos de escleras brancas do paciente que estava sobre o leito.

O médico viu o desconforto da mulher aumentando conforme ela modulava a visão entre o rosto do moribundo e o aparelho que usava. Por algum motivo que não soube explicar, a saliva desceu pesada pela garganta, o nervosismo surgiu, crescente, latejando os tímpanos.

— O que foi, Lucélia, pelo amor de Deus?!

— Tchê, a pressão dele tá baixa demais...

O médico franziu o cenho, inclinando-se para ver o relógio do manômetro. Se ele tivesse visto bem e no mesmo momento em que Lucélia, aquele homem não poderia estar vivo.

— Mas... tu mediu a temperatura?

— Medi, tchê! Tá normal.

Não acreditando no que via, Elton pousou a mão na testa do homem. Realmente parecia normal. Então ele desceu para o peito, acima do coração. Estava tudo normal, a anomalia só poderia ser no aparelho, aquilo não fazia sentido nenhum. Ele não poderia estar vivo.

— Tu derrubou o manômetro?

Lucélia estreitou os olhos, encarando o companheiro de batalha. Em todos os anos de profissão se ela já tivesse quebrado dois equipamentos, seria muito.

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