VI

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Oito horas antes da tempestade...

As batidas no vidro fizeram Schultz dar um salto sobre o banco do carro. Um homem com cara de poucos amigos apontava o cano de uma espingarda em direção ao ruivo que, com certo desespero, direcionou as mãos para a alavanca da máquina de vidro. O som grave que a telha produziu com o arraste fez Schultz recuar as mãos para a altura da cabeça, deixando-as visíveis para quem estivesse do lado de fora. O provável fazendeiro deu dois passos para trás, sinalizando a cabeça para a direita. Não era preciso uma fluência em português para entender o gesto. Aquilo era a linguagem universal de um descontentamento pela invasão e uma ordem expressa para que o ruivo saísse do carro, de preferência devagar.

Schultz manteve uma mão na linha de visão do homem que o abordara e direcionou a outra para a maçaneta do carro. A porta foi aberta com cautela, sob o olhar do homem armado que, apreensivo, fitava-o sem piscar.

Scheiße! Verzeih mir, Sir... Ich hatte keine Ahnung, dass diese Länder einen Besitzer hatten...

— Na minha língua, jaguara! – O homem gritou em advertência, interrompendo o ruivo.

Schultz ponderou por um minuto se deveria usar o palavrão que tinha incluído na frase, calculando as traduções viáveis para as palavras que usava, torcendo para que apesar do forte sotaque, os olhos que eram sustentados por profundas olheiras negras, expressassem compreensão para seja lá o que ele conseguisse pronunciar.

— Perdon, Senhor... Éu me chama Edwin... Hãn... Non sabia que o terra... Que erra su propriedade...

O homem encarou o invasor por cima da alça de mira, torcendo o queixo numa carranca desconfiada, enquanto o media de cima a baixo com os olhos, ponderando se o que estava acontecendo era verdade. Estava acostumado com os colonos, embora o sotaque do rapaz a sua frente fosse muito mais carregado.

— Tu é de fora, magrão?

Schultz esboçou confusão, franzindo o cenho antes de assentir com um sorriso tímido.

— Sin, éu ser Turista.

— Sei... – disse, baixando a espingarda – Tu não devia passar a noite no meio do mato, entendeu?

O homem parecia levantar o tom da voz e Schultz se perguntou se ele notara que sua audição era perfeita.

— Sin...

— Entra no teu Fuca e cai fora das minhas terras, antes que eu te mande pro xadrez.

Schultz ficou ali, encarando o homem enquanto o cérebro tentava processar as palavras e as torná-las em algo inteligível.

— Anda, guri! – disse o homem, abanando a mão.

O ruivo então compreendeu de imediato, meneando a cabeça e correndo em direção a porta do motorista sem olhar para trás.

Antes de bater a porta, Schultz sentiu o vento frio soprar mais forte. Ele esperava mais do Brasil, além da nevoa e do frio tão característico de seu país natal, talvez existisse um motivo familiar para que alguns de seus conterrâneos escolhessem justamente aquele local para imigrar. Pensou no dia anterior e no calor infernal que enfrentara. Lembrava-se do cheiro de umidade que sentira no dia anterior e da tenra ameaça de chuva. Talvez a variação climática fosse explicada por isso, mas os espasmos que tomaram conta da face do ruivo não foram causados pelo vento frio que agora pairava pelo ambiente. Junto com o frio, um som angustiante de guizo ecoava pela campina, sobreposto por uma gargalhada infantil. Aquele era o motivo dos espasmos que acometiam sua face.

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