XIII

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Elas ainda esperavam o médico, cada uma encostada em um canto do corredor, defrontando-se em silêncio. Os pensamentos de Geovana perdidos na situação que logo enfrentaria, criando teorias antiutópicas baseada em nada além da condição suspeita do médico e da bátega impetuosa que despencava do céu; já Lucélia só conseguia pensar nos pés doloridos, no forte cansaço e nos pacientes que ficariam à mercê do acaso.

Não demorou até que ouvissem os solados de Elton ressoando pelos corredores do hospital. As enfermeiras giraram as cabeças para o corredor que, sob a baixa incidência de luz, assemelhava-se a um infinito buraco negro. Viram Elton surgir de um dos corredores laterais, empunhando uma forte luz que não era compatível com a do celular que levara.

Elton desligou a lanterna assim que conseguiu alcançar a claridade proporcionada pela vidraça estilhaçada da porta de emergência. Dali conseguia ter uma boa ideia do inferno que enfrentariam. As garotas estavam paradas, sustentando suas olheiras cansadas com surpresa. Elton sorriu.

— Lembrei que tinha visto umas lanternas no almoxarifado, quando fui acompanhar a empresa de dedetização. – Sorriu, levantando as outras duas lanternas que trazia na canhota. – Se essa baita chuva pegou Santa Maria também, a gente vai precisar quando a noite cair.

— Massa! – disse, Lucélia, estendendo a mão para o médico.

Geovana limitou-se a assentir com um sorriso sem dentes, submersa em seus temores. Ela pegou a lanterna que a colega lhe ofereceu, adiantando-se a conferir as pilhas e testar o facho de luz enquanto ainda estavam sob a luz do dia. Não seria nada agradável descobrir que a lanterna não funcionava justamente no momento que precisassem que ela funcionasse.

— Vamos? – disse o médico, passando pelas enfermeiras.

Elton empurrou a porta e o vento úmido entrou, fazendo-os cambalear sobre as próprias pernas, espalhando e amplificando o rugido da tempestade pelos corredores. A coisa estava bem pior do que pensavam. Iriam demorar muito mais para chegar em Santa Maria do que previram.

— Santo Deus... – Sussurrou.

Lucélia engoliu à seco, já imaginando o gelo úmido daquela chuva lhe encharcando o corpo.

Geovana mordeu o lábio. Aquela situação tinha um péssimo cheiro.

Elton foi o primeiro a tomar coragem, limitando-se a caminhar pela enorme tempestade. Os raios cortavam os céus com violência hora ou outra mergulhando no prédio ao lado. O homem agradeceu por existir um para-raios tão próximo do hospital. Lucélia vinha em seu encalço, com cautela, torcendo para não despencar no granito escorregadio.

Geovana levou certo tempo para cruzar a porta. A tempestade caía com violência ao lado de fora, a enfermeira mal conseguia enxergar um palmo a frente do nariz. Não caracterizava o sentimento que a fez congelar como medo. O que sentia estava mais próximo de uma certeza absurda. A certeza de que hoje era seu último dia na terra, tão claro quanto água.

— Geo!

A voz de Lucélia soou, vinda de um vulto acinzentado em meio a cortina branca. As roupas brancas, camufladas na tempestade, davam a impressão de que a cabeça da colega flutuava em meio ao aguaceiro.

Geovana caminhou para fora fechando os olhos, levantando o rosto para ser açoitado pela chuva e sentiu. Apenas sentiu. Sentiu o frio tomando conta de todo seu corpo, o medo revirando seus pensamentos inquietos e enfim, sentiu paz. Queria registrar aquele momento de paz para quando sua hora chegasse. Ela aprumou os ombros, levantou o queixo e caminhou para junto da baixinha que a esperava no meio dos escombros do mundo.

­— Bah, guria, já tava pensando que tu tinha endoidado, tchê! – Gritou.

Geovana encarou a colega com um largo sorriso, enquanto seguiam a mancha branca que era Elton.

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