VIII

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Tempestade...

O fusca vermelho descansava no gramado, ao lado do restaurante, e Schultz levava a última garfada de comida à boca, quando ouviu o terceiro trovão. O arrepio agourento que veio com o barulho, fez os músculos da face espasmarem novamente. Ele deixou que os olhos corressem pelos céus turbulentos, projetados além da janela em que estava escorado.

Scheiße!

Deixando metade da garrafa de Coca-cola para trás, ele rumou para o caixa. As mãos atrapalhadas puxaram a carteira do bolso, abrindo-a com pressa, enquanto os ouvidos atentavam para o vento cada vez mais forte ao lado de fora.

Por conta do cansaço, a balconista não olhou para o homem. Calculou o valor do almoço pensando em dias melhores, quando mal podia caminhar entre as mesas aos fins de semana. Talvez, as olheiras que apareceram nos últimos dias tenham vindo por conta do caixa vazio. Pelo menos era nisso que acreditava. O restante de sua vida era bom demais para lhe tirar o sono.

Com um sorriso simpático, a mulher encarou o ruivo a sua frente, e deixou que a voz suave escondesse seus pensamentos.

— Vinte e cinco pila, senhor.

Quando percebeu que a frase havia chegado ao fim, o homem entregou um cartão bancário, sustentando um sorriso apressado para a mulher.

— Hãn... Você pôde... Disser um... Localidade de hotel?

A mulher encarou o homem a sua frente, não tinha notado antes, mas era um belo exemplar de homem. Uma beleza um tanto exótica, mas o que mais a impressionou foi a inocência contida naquele olhar. Aquilo era uma peça rara em homens.

— Tu não é daqui, né? – disse, com interesse.

— Non, eu ser Alemon. – Sorriu.

Schultz notou o olhar da mulher, mas naquele momento o que mais queria era sair dali, encontrar um hotel e proteger suas coisas da chuva, além de si mesmo.

— Tu tem GPS?

Ja!

— Iah... – Repetiu, rindo. – Tá bom. Vou escrever um endereço pra ti, Alemon. – Puxou um pequeno papel para si. – Tu bota no GPS. Não é o mais barato, mas se tu quiser escapar da chuva é o mais certo.

Schultz anuiu, ignorando tudo o que a mulher havia dito. Além de GPS e barato, ele não havia entendido uma única palavra.

A mulher a sua frente escrevia em um bloquinho de rascunhos, cortado de qualquer forma, enquanto o homem aguardava já impaciente.

— Obregado! – disse, quando a mulher entregou o papel.

— Capaz, merece! Volte quando tu puder.

Edwin Schultz meneou novamente a cabeça, não entendendo uma só palavra do que a mulher de grandes olheiras havia dito, e caminhou apressado para seu fusca. A balconista observou-o saindo. De costas o homem chamava ainda mais atenção por conta dos espessos cabelos ruivos.

Fora do restaurante, o vento entortava a copa das arvores, agitando as águas do pequeno açude logo abaixo, no vale. Edwin não pôde deixar de reparar na garota sentada num banco próximo, com o chapéu sendo deformado pelo vento, e, pouco a pouco, sendo ensopado pela garoa gélida que começava a cair.

Os espasmos na face do homem pioraram, mas seu coração implorou para que ele tentasse ajudar aquela alma pedante. Ninguém ficaria sentado em uma garoa, encarando o horizonte, se estivesse em uma condição psicológica favorável.

3 DIASOnde histórias criam vida. Descubra agora