II

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Dois dias antes da tempestade...

Lucélia massageava os próprios pés, sentada na sala de descanso. Desde que aquele estranho surto de insônia começara, ela mal conseguira dormir ou ao menos descansar. A mulher sabia o motivo de ainda estar ali, mesmo depois do fim de seu expediente. O propósito de sua profissão era nobre, ela era como a curandeira moderna.

Os pacientes chegavam aos lotes nos últimos cinco dias, alguns casos tão graves, que o hospital precisou da ajuda dos farmacêuticos da cidade. Os casos de insônia só aumentavam, assim como os quadros de confusão mental.

A única coisa que Lucélia podia fazer, era aguentar firme e massagear os pés porque deixar o hospital, principalmente enquanto os surtos aumentavam, estava fora de cogitação. O que lhe consolava, era saber que na escala do dia seguinte, teria folga, já que Luiz se oferecera para substituí-la. Oito merecidas horas de sono a fariam bem, e ela seria mais útil se estivesse com força total e menos dor nos pés.

Embora nenhum exame tenha apontado a causa daquela estranha epidemia, um dos médicos achou que deveria notificar as autoridades. Lucélia se lembrou do negro forte que fora ao hospital e encheu a equipe de perguntas.

Mesmo sabendo que o caso da insônia coletiva não seria investigado enquanto os assassinatos estivessem causando terror nas ruas da cidade, a enfermeira se sentiu mais aliviada. O policial demonstrou profundo interesse em investigar e resolver um caso tão estranho quanto àquele, mas o tempo corria rápido e estava cada vez mais difícil manter os tratamentos com total eficácia.

Lucélia ouviu um gemido de dor no quarto ao lado, suplicando por sua atenção. Ela enfiou o pé cansado de volta na sapatilha, da forma mais rápida que pôde, e correu para o corredor, sentindo a fisgada em seus calos.

۞۞۞

Claudio estava de volta a cena do crime. Mesmo com as fotos e os laudos periciais em mãos, ele gostava de estar presente no local, sozinho, buscando por qualquer micro detalhe que houvesse escapado aos olhos da perícia.

O chão do velho chalé ainda mostrava as gigantescas poças de sangue, agora escurecidas e secas pelo tempo. Enquanto os olhos treinados varriam o local, sua mente previa as dificuldades que enfrentaria, caso não prendesse todos os culpados até as festividades. A madrugada abarrotada de transeuntes bêbados e despreocupados, com certeza seria um empecilho.

Mesmo após prender o assassino do machado, e não encontrar nenhum padrão que ligasse as mortes, sua intuição gritava, apontando a existência de algum ponto em comum que ainda não fora encontrado.

Na cozinha, de cócoras, o investigador estreitou os olhos para a mancha escura no piso, buscando um fio de cabelo, uma unha, alguma substância desconhecida, mas nada encontrou. Ele então resolveu ampliar a busca para os outros cômodos.

Os olhos de Claudio varriam as paredes, quinas, móveis, mas nada lhe era entregue, até que alcançou o quarto do casal. Um sorriso lhe cortou o rosto quando o homem encontrou um punhado de pó branco em cima do travesseiro. Uma das teorias que elaborara, consistia em alguma droga que causasse as alucinações relatadas em todos os assassinatos.

Claudio não se permitiu tocar na substância, antes de confirmar o padrão no outro quarto. Sobre o travesseiro, provavelmente da menina, se destacava na fronha rosa a mesma substância do último cômodo por que passara.

Apressado, Claudio pôs as luvas e retirou um saquinho plástico do bolso. Talvez tivesse achado o padrão que tanto procurava, talvez fosse só mais uma pista falsa, mas sua intuição apontava algo positivo para aquilo. Sua esperança aumentou quando encontrou uma pequena lasca de arvore na cama, que de pronto o enfiou em outro saquinho plástico. Com um sorriso no rosto, o grande negro correu em direção ao outro quarto, caçando a mesma lasca que vira no cômodo do qual acabara de sair. A lasca estava lá, tão próxima do pó branco quanto a outra estava.

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