Quatorze horas antes da tempestade...
O telefone tocou assim que Claudio deixou que sua mente cansada repousasse sobre o travesseiro. Fitando o teto, ele suspirou impaciente, esticando a mão para o criado mudo.
— Claudio. – disse, seco.
— Desculpa ligar pra ti essa hora, Claudio, mas temos mais corpos.
O investigador esfregou a testa enquanto repensava sobre a profissão que havia escolhido.
— Tá, me passa o endereço.
Quinze horas antes da tempestade
Em uma cidade universitária as festas eram tão constantes quanto à presença das irmãs. Gaya sempre sorria imaginando o que seria daquela parede onde sempre se encostava caso a limpeza, que era feita no final de cada festa, não existisse. Provavelmente, a silhueta da menina estaria marcada por uma grande mancha de sujeira.
Enquanto Gaya permanecia em seu tão amado canto, junto da sua inseparável lata de cerveja, Amora dançava, atraindo olhares e contagiando a todos os privilegiados que estavam a sua volta, pelo menos era o que parecia ser. Enquanto uma não entendia de onde a outra arrancava tanta energia, já que ela só conseguia visualizar o tão esperado encontro com a cama, a outra se questionava de onde vinha tanta preguiça, já que ela mesma rezava para que o sol atrasasse o raiar.
Mesmo que para os outros elas conservassem suas características usuais, as irmãs sentiram o ar mais denso aquela noite. Além do cheiro ininterrupto de uma chuva que ainda não chegara, olheiras profundas emolduravam os olhos de cada uma das pessoas ali, salvo as próprias irmãs. O incomodo fazia com que Amora fosse a cada vinte minutos no banheiro para aliviar a bexiga, enquanto Gaya sentia a nuca arrepiar a cada rosto que ousasse encarar por muito tempo, e mesmo assim, por algum motivo, ambas mantinham as aparências. Algo as forçava a tal.
Entre um movimento e outro, Amora pensou ter ouvido um grito vindo de um dos quartos. Os olhos castanhos da loira buscaram pelo castanho dos olhos da irmã, e os encontraram. Onde antes sempre encontrou uma forte muralha, a menina se deparou com um par de olhos gigantescamente abertos, assustados, e junto deles um rápido balançar de cabeça, como se tentasse afastar a ideia absurda de que algo estava realmente errado. Todo aquele mal estar devia ser culpa do final de semestre. Precisava ser isso, porque ninguém na festa parecia ter percebido o horrível grito. Gaya viu a irmã paralisar no meio do cômodo e, sem demora, correu a seu encontro.
— Mana, é melhor ir pra casa.
A loira assentiu com a cabeça, mas os olhos gritavam de pavor e seu porto seguro parecia estar ruindo a sua frente. Gaya não era o tipo de pessoa que fugia de uma boa briga, muito menos o tipo de pessoa que tinha medo, mesmo assim, Amora sentia o próprio pavor emanando dos olhos da irmã.
O grito veio mais alto desta vez e Amora pôde ver o cabelo curto de Gaya se eriçar. A loira encarou a porta, enquanto Gaya trazia o corpo para mais perto, ao mesmo tempo em que vasculhava as pessoas a sua volta. Ninguém parecia ter ouvido.
— Gaya, tu também tá sentindo essa ruindade?
— Tô, quero ir embora, mas tem algo me obrigando a ficar aqui.
Amora grudou a mão da irmã, cravando unhas em sua carne. Gaya pôde sentir, além da dor, o suor que escorria das duas mãos, ela assentiu, entendendo o medo da loira. Elas não poderiam sair dali antes de enfrentar aquilo. Além de um ensinamento de família, aquele era o lema das irmãs "Juntas nós podemos, juntas não corremos".
— Tu fica atrás de mim, tá bom? – Ordenou, Gaya, próximo ao ouvido da irmã.
Amora novamente assentiu, largando a mão de Gaya, que agora, com pequenos sulcos vermelhos, se fechou em um punho trêmulo. Ainda segurando a lata de cerveja, Gaya rumou para a porta do quarto, tendo como sombra a irmã. Quando tocou a maçaneta, o arrepio percorreu toda à extensão do crânio, repuxando-lhe os músculos da face e revelando dentes ferozes prontos para um ataque animalesco. Mesmo possuindo o gênio que bem conhecia, Amora nunca vira a irmã daquele jeito. A porta foi aberta e a loira deixou que a curiosidade guiasse seus olhos por cima dos ombros de Gaya.
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HorrorOBRA VENCEDORA DO WATTYS 2019 - CATEGORIA TERROR PARANORMAL Depois que uma terrível tempestade isolou a cidade de Caçapava do Sul, a população foi acometida por uma intensa insônia, enquanto a polícia investigava uma série de estranhos assassinatos...