Cap.20 - Edgar, O Levante Infernal

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Quando o carro parou, Edgar soltou o cinto e respirou fundo, passando as duas mãos no rosto e suspirando depois. Tudo aquilo tinha sido um inferno, e ao que parece, havia chegado a um fim. Não sentia Adrastea, nem a sensação pastosa que ficava na pele sempre que aquelas coisas estavam por perto, mas ainda assim, sentia-se péssimo. Tinha um nó na garganta e um gosto de sujeira na boca, além de uma dor generalizada pelo corpo. Monique pegou em sua coxa e ele assustou, sentiu um frio cadavérico em seu toque.

- Vai ficar tudo bem, primo.

- Não vai não. – Respondeu com os olhos perdidos a frente. – Eu fui para o inferno, eu vi tanta coisa... fiz tanta coisa. Eu quero... eu queria te matar, para falar a verdade. Eu queria me vingar. – Se virou para ela e continuou. – Eu já estou condenado, o inferno já é uma realidade para mim, eu matar você não ia mudar nada, pelo contrário, Lilith falou que eu desceria como um vitorioso. Você merece isso. Mas eu não vou fazer. – Edgar abriu a porta e tirou o corpo para fora. – Por favor, nunca mais apareça aqui. Eu não te perdoo, nunca, mas eu não vou matar aquela menina da minha infância. Agora você... eu te vejo no inferno.

Edgar bateu a porta. Monique não retrucou, não argumentou, apenas suspirou e acelerou. Fez sua parte e havia se redimido consigo mesma. Assim que saiu da linha de visão de Edgar, o homem de tez escura e cabelos longos apareceu pelo retrovisor, os olhos amarelos e luminosos. Ele não disse nada, apenas ficou ali como uma presença hostil, um mal agouro, uma moléstia. Por todo o caminho até o hotel, ele esteve ali, e quando saiu do carro, sentiu um frio na barriga, um mal-estar que a fez suar frio. Olhou ao redor o estacionamento vazio, apenas os carros como cascas vazias de um ser meio máquina. Monique ligou para Edgar a medida que entrava em casa, mas seu celular não atendia. Quando entrou no quarto, viu em seu reflexo Lilith, e o corte em sua barriga que havia feito no ritual.

- Merda. – Sentou na cama e soltou a mochila no chão. – Merda...

E as lágrimas rolaram de seus olhos.

...

Loche estava nua, havia tomado banho e depois sentou na privada com a tampa fechada, acendeu um cigarro e o fumou devagar. Havia um vazio em seu âmago, o sentia ali bem no plexo solar. A imagem de Lilith em sua mente estava gravada a ferro e fogo, conseguia vê-la atrás de sua mente, uma mãe sentimental e violenta, mas com amor aos seus filhos. Deu um trago longo, sentiu o peso da fumaça na garganta e quase tossiu, soltou toda a fumaça pelo nariz e tragou novamente, os olhos cheios d'água, as lágrimas escorrendo rápido e a pegando de surpresa. Mas ela não ligou, deixou elas escorrerem, deixou que deslizassem quentes na sua pele fria. Apagou o cigarro no cinzeiro sobre a pia e acendeu outro, mordeu o lábio e encostou as costas no azulejo gelado, o cigarro queimando em seus dedos, o incenso de nicotina. Antes do cigarro acabar, adormeceu, e teve um sono sem sonhos.

...

Edgar virou a chave, destrancou a porta, girou a maçaneta, abriu a porta, entrou e a fechou. Ouviu um grito que o pegou de surpresa e levou um encontrão, e uma dor lancinante na barriga explodiu e se alastrou pelo corpo. Perdeu a força nas pernas e tentou se apoiar na parede, mas apenas deslizou e sentou no chão, a mão na barriga estava quente e só quando chegou ao chão que notou que sangrava, muito. Levantou os olhos e Ariel segurava uma faca com as duas mãos, o sangue ainda pingava da lâmina, não conseguia vê-la direito no escuro, mas a ouvia chorando e grunhindo, seus cabelos estavam bagunçados e ela parecia tremer. Ele levou a mão aos olhos e a viu escura de sangue, sentia agora aquele líquido escorrendo pela sua virilha.

- Ariel?

- Eu lembrei de tudo! – Gritou, o corpo curvado, espremido. – Você era a única pessoa que eu ainda acreditava, e você me estuprou! – Ela chutou uma sacola que estava a seus pés. Ele lembrava, eram os lençóis daquele dia, havia largado eles embaixo da cama, nunca havia lembrado de jogá-los fora. – Tinha sangue no colchão, sangue em todo lugar! E você me deixou trancada no meu quarto como se fosse meu pai! – Ela gritou novamente e deslizou a faca no próprio pulso, o sangue verteu tranquilamente, pingando ritmado no chão. – Eu quero morrer! Mas eu vou levar você junto! Vou sim! Ah se vou! Você foi o pior. Me enganou, cuidou de mim, e me estuprou, me dopou? Não sei o que você fez, mas eu me lembrei de tudo. E no outro dia? No outro dia você agiu como se nada tivesse acontecido, e eu falei para você, eu pensei que tinha tido diarreia. Mas foi você! Você me arrombou!

A Flor NefastaOnde histórias criam vida. Descubra agora