Vinte e dois

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- Eu imaginei qualquer coisa, menos isso. Era o que faltava para completar nossos clichês. 

Apanho a manta escura e mais as outras coisas que trouxe, colocando-as novamente sobre o gramado. Dou um sorriso brando, tapando com  a mão os raios quentes de fim de tarde que atingem meu rosto e ombros. 

- Não sou tão criativa quanto você, mas aposto que não é tão ruim. 

Procede em todos os idiomas. 

Se esticar nas folhas secas, ouvir os barulhinhos de embalagens de sanduíches sendo abertos e apreciar uma trama dramática no telão com luzes na borda, pode ser velho. Às vezes, sem sentido. Mas qual é a graça de se sentar numa cadeira quando você pode assistir um filme assim? 

E com Brandon, isso se torna tão transigente. 

- Poderíamos estar numa guerra que nada seria ruim com você ao meu lado. 

- Eu já disse que ainda aprecio suas investidas? - rebato abrindo uma lata de soda. 

- Então significa que já apreciava antes? 

Mordo os lábios na tentativa falha de não rir. 

- Eu odiava. Não por isso, por ser você. Mas já era. 

- Já era seu rancor que me feria, pequena donzela - ele cai para trás atuando uma profunda dor inexistente e ambos sorriem. 

Top Gun.

Numa tradução próxima a grande direção de Scott, o título surge junto a algum som, fazendo com que todos os barulhos possíveis se cessassem. Clássico de '86.

- Você poderia ter a gentileza de se acomodar ao meu lado? - Brandon sussurra em meus ouvidos, fazendo-me perceber que estamos em lados opostos. 

Assim o faço.

Ele passa o braço por trás do meu pescoço, me deixando sem jeito. É claro que estou acanhada. Por mais que tenhamos saído algumas vezes, criado um vínculo, ainda é como se eu estivesse abrigando um sentimento sem nome. Mas também é claro o quanto quero mantê-lo por perto, sem apreensão. 

Quase duas horas aqui. Encostados um no outro. Atentos apenas ao filme. 

Tão singelo. 

Tão tranquilo que eu sinto o conforto de estarmos juntos. 

Brandon surge com um cigarro entre os dedos e sem perdemos o contato visual, nos levantamos. 

Caminhamos entre as árvores até onde o carro está. Sua quietude me assusta, principalmente quando ele bate - de um jeito quase agressivo - a porta do lado do motorista. Eu o observo, sem deixar nítido, seu suspiro enquanto tamborila os dedos sob o volante. 

- Não podemos continuar fingindo que está tudo bem - ele diz de repente, mas sem nem mesmo olhar nos meus olhos. 

- O que está dizendo? 

- Nós dois, Emma. Não daríamos certo nem se quiséssemos. 

- Está dizendo que não quer? Ou especulando que EU não queira? 

- Porra, Emma! Estou te poupando de se machucar... - seu tom de voz sobe e desce, sua respiração é mais ofegante que o esperado. 

Não entendo essa inconstância do nada, essa mudança de humor nada comum de Campbell. Eu não estava esperando por isso, minha sensibilidade aumenta conforme seus gestos se alternam entre o incoerente e o culpado. 

- Olha pra mim - nessa situação toda, só consigo reparar nos seus olhos que sequer cruzam os meus, como se me encarar fosse fatal. - Olha pra mim, porra

Enfim conseguimos um minuto de paz. 

Somente aquela luta travada de olhares sem manifesto. 

- Escuta, - engulo em seco com o coração pressionado contra o peito, assustado com isso - se quisesse me poupar, teria surtado antes e não agora. 

- Não estou surtando... - ele ri de forma pervertida. - Merda. Merda. Merda. 

- Estávamos bem há dez minutos. E dentro desse tempo você age feito um babaca, do nada. Certo. - Tento tirar alguma justificativa dele. Alguma cabível. 

E eu não consigo. 

Brandon permanece estático e com uma expressão de quem fodeu com tudo que podia. 

- Se não me disser eu saio desse carro, Brandon. - Estou confusa e puta pra um cacete e ele parece não se importar. Minha voz falha, eu não queria ter de dizer isso, mas o momento clama: - E não precisa me procurar depois de hoje. Nunca mais. 

Uma de suas mãos percorre seu rosto, abaixado, vejo seus lábios se abrirem e então finalmente presumo que ele vá dizer algo. 

No entanto, n-a-d-a. 

Meus olhos se fecham voluntariamente, e eu juro que há uma força me prendendo para que nada saia do controle - não mais. Sinto um vazio se abrindo e uma nuvem cinza cobrindo minha visão. Meus dedos seguram a maçaneta com violência, e então eu viro as costas para ele. E para tudo que nós nem classificamos. 

Tipo, tudo.

Não será um caminho longo até meu apartamento. Eu até prefiro andar para me distrair em vez de ficar me questionando: por quê?

Por que, Brandon? 




Contra as leis do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora