Dez

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Passo por uma casa monótona, porém soterrada de girassóis no jardim da frente - parece uma bela fotografia profissional ao vivo.

E finalmente, café.

Piso no estabelecimento segurando um agasalho em plena temperatura prestes a superar os vinte e cinco graus, mas, o calor me deixa animada. Não muito a ponto de usar roupas coladas ou curtas, e sim, no sentido literal da palavra. Me aconchego na banqueta do balcão mesmo, e, num jornal, faço palavras cruzadas. Meu celular vibra com uma nova mensagem de texto e eu logo aperto o visor, informando-me de que Jessie não irá para a faculdade. Tudo bem, muito melhor, aliás. Íamos ao shopping a tarde pois ela estava louca por uma coleção inédita da Versace – então ela gastaria muito mais do que deveria, além de me manter presa por horas tentando escolher uma peça mais ou menos.

Maldito vosso capitalismo.

Entre fantasias, me deixo ir além. De súbito, sem mais; aqueles olhos soturnos apoderam-se das minhas memórias. Até a fumaça tóxica que ele expirava invade meu espaço. E eu não quero pensar nisso, mas quanto mais eu tento negar, mais essa negação me acorrenta. O desejo me deixa tonta, no entanto as dúvidas estão intactas. Não consigo esquecer suas palavras e, principalmente, o fato de “reformular minha opinião sobre ele” na base de um encontro.

Encontro.

Que coisa brega. Maluca. Eu não posso sair com Brandon Campbell, eu não posso... não posso fingir que está tudo bem – mas quem disse que não está, certo? Tudo nele me faz delirar, me deixa emaranhada em todos os idiomas, e eu sinto como se ele fosse uma chama que queima a todos ao seu redor, mesmo que lento, mas queima. E Deus, eu não quero ter o prazer de ver meu nome sendo pisoteado assim como ele o faz com seus cigarros módicos. As verdadeiras garotas que esperam por um jogador popular a fim de ter uma história típica de livro estão por aí, apenas esperando. Então, destino, você errou miseravelmente ao me escolher para este papel.

E eu assino duas vezes essa verdade se necessário.

Pago a minha conta e saio pela porta da frente. Caminho por uns minutos até PH, onde não há muitas pessoas (claro, sexta-feira). Me dirijo até a biblioteca, mas antes mesmo que eu chegue até lá, passo por um dos campos de futebol da universidade. Muito, muito grande. E bastante ocupado pelo visto. Creio que há centenas de jogadores ali, todos orgulhosos para o início de um período marcado por vários torneios. Já estou os analisando por tantos minutos, que dou continuidade ao meu trajeto quando lembro do que tenho a fazer.

E rapidamente eu esqueço.

Nem mesmo o vento refrescante me ajuda, quando na verdade sinto meus neurônios congelarem e minha garganta se fechar.

— Oi, doçura.

Minha atenção se alterna entre encará-lo ou encarar o chão cinzento que piso com meu tênis esportivo usado pouquíssimas vezes.

Brandon tem uma tatuagem, e eu não sabia! Eu morreria sem antes saber que ele tem um desenho invulgar no braço direito – traço esse muito bem feito, e que o torna mais irritante ainda. Mas evito fixar meus olhos em qualquer parte de seu corpo, ou até mesmo para ele em si. É ser desonesta comigo mesma. Então, passo a observar o céu límpido e azul, mas consciente de que ele me examina com particularidade.

— Oi, Campbell — minha voz sai meio baixa, porém é o máximo que consigo responder.

— Não, não — ele coloca o dedo indicador sob os lábios, com um sorriso sorrateiro que se estende enquanto se aproxima de mim. — É “oi, amor do meu futuro”.

— Você sabe — tento me recompor dando um passo para trás, fazendo uma careta — Não gosto de mentiras.

— Mas vive em uma — ele argumenta sem pensar, como se a resposta estivesse na ponta da língua apenas esperando para ser despejada na tentativa de ferir minha probidade.

Mantenho-me calada, tentando me situar em meio a sua frase. Como esse filho da mãe consegue ser tão sagaz a ponto de deixar-me em silêncio? 

— Que seja — ele se vira. — Confesso que estava com saudades de te ver, mas o destino sempre nos coloca frente a frente.

— Nos vimos há menos de uma semana. E destino? — solto uma gargalhada sórdida e termino: — não acho que frequentar o mesmo lugar e morar numa cidade minúscula seja o destino nos colocando frente a frente.

Brandon sorri, mas é um sorriso que oculta mil coisas pela qual não gostaria que viesse em mente agora. Ele toca meu rosto e, mesmo que por segundos, minha segurança interna entra em alerta. Meus joelhos tremem, fico tensa. Entretanto, não faço nada. Na verdade, assisto sua boca abrir e fechar como se algo estivesse prestes a sair dela.

— Não se esqueceu de uma coisa?

Balanço a cabeça negativamente.

— Vamos sair juntos. Você me deve isso.

— Não — franzo o cenho e me esquivo desse transe hipnótico. — Nunca disse que faria isso.

— Mas eu disse.

— O que você diz não vale nada.

— Vale muita coisa, princesa. Sei que quer isso, então se permita.

— Eu colocaria muita coisa em jogo, Brandon.

— Está com medo de ir a um encontro comigo e se render ao “garoto ruim” que tanto renega? — ele tem prazer ao dizer isso, como se ele fosse uma figura capaz de enfeitiçar qualquer um. Como se as palavras soassem candura vinda de seus lábios.

— Você nem é tudo isso que pensa ser.

— Então o quê?

Fico em silêncio.

Para todos os sentimentos que habitam o meu corpo: vão para o inferno. Ou até mesmo para meu racional que se fragiliza quando eu mais preciso excogitar.

— Quando será?

— Quando será o quê? — ele arqueia a sobrancelha sem entender.

— Você não quer um encontro, querido? — reviro os olhos. — Me diga quando para acabarmos com isso de uma vez. 

— Está brincando?

— Estaria se não levasse isso a sério. — suspiro. — Você não precisa fazer isso, Brandon. Sei que não está acostumado a levar garotas a um lugar civilizado sem ser um motel de quinta.

Eu posso tê-lo desencadeado uma fúria gigante. Contudo, não me importo, ele não se importa. Ora, Campbell está sob controle e isso o faz tornar as coisas fáceis. Mas insultá-lo é mais divertido ainda.

Ele fica surpreso com minhas palavras, eu vejo. Mas seu sorriso prevalece, a alegria rodopia em seus olhos brilhantes.

— Amanhã, às oito. E não se preocupe, eu te pego.

— Você nã...

Estarei lá — as palavras fluem de maneira a demonstrar ordem; fico com a boca entreaberta sem terminar de dizer uma única letra pois ele me interrompeu, é claro. Ele quer estar por cima, somente. Quer dar o último ponto sem debater. Mimadinho egocêntrico.

Reajo como uma adolescente boba sorrindo encantada com a vida, encantada pelo fato de ter um galanteador disposto a me conquistar, ou, reformule: disposto a jogar. E jogar sujo. A pior parte, é lidar com sua vitória antes da linha de chegada. Brandon tem determinação nos olhos e autoconfiança, uma sede implacável.

Por que receio de que ele possa ganhar todo o resto?

Contra as leis do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora