Vinte e três

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Suspiro profundamente me jogando no estofado da sala minúscula enquanto espero meu chá ficar pronto. 

"Por que não?"

A mensagem de texto é rapidamente enviada a Cullen – que de alguma maneira, encontrou uma das minhas redes sociais e desde então temos conversado. Não preciso salientar o ocorrido na noite em que fomos ao bar. 

Engulo em seco; minhas pálpebras pesam, minha cabeça lateja. 

Algo está completamente diferente e eu não gosto de questionar o que é. Eu sei que alguém lá de cima deve me observar com enternecimento, por ser uma garota se lamentando por algo inautêntico. Fantasioso. Que não me fez voar imediatamente, mas tirou meus pés do chão por alguns segundos, e estes foram suficientes para mim. 

Reviro os olhos. 

Procuro alguma coisa para vestir e calçar, antes cedo que às pressas. Bom, eu não estou no perfeito clima para uma festa, mas, porra. Por que ficar quando eu posso me embebedar gratuitamente em outro lugar aparentemente melhor que aqui? Dylan insistiu tanto, que aceitei. 

Ele não é ruim. 

Não, ele está distante de ser ruim. 

- Ei, garotinha. - Seu olhar meio azulado me aguarda com as mãos no bolso de uma jeans clara que combina perfeitamente com seus traços de bom moço. 

Dou um sorriso alinhado a ele, que imediatamente abre a porta do passageiro para que eu entre. Realmente, um cavalheiro. 

- Não liga para esse cheiro de bacon com coca. O carro é do meu pai. 

- Eu posso suportar... - Damos uma risada  (descontraída, por sinal ).

Dylan Cullen é um dos poucos caras que definitivamente se importam com você, como você se sente. Mesmo com algumas piadas meio sem graça, a cabeça nas nuvens, me sinto livre para falar o que quiser com ele. 

Entende?

Nosso comportamento diante uma pessoa diz muito sobre nosso sentimento por ela.

- EMMA! - o berro de Jessie, que não podia deixar de chamar atenção, me deixa corada no amontoado de gente parada na entrada da enorme casa colorida. - Disse que não iria vir! 

- É... eu disse. - Eu sempre digo. Sinto o hálito de bebida, sei que ela não está na melhor condição agora. 

- O que te fez mudar de ideia?

Dylan surge por trás, e nós a olhamos tipo "tá, nós viemos juntos mas não, não temos nada". 

Mas ela não entende, óbvio. De imediato puxa meus braços e me arrasta para a mesa com drinks e garrafas de tudo que imaginar. 

- Dylan? - seu olhar é mais uma advertência que curiosidade. 

- O que tem? - questiono misturando algumas coisas num copo. 

- E o Brand...

- Vamos dançar Jess!

Ela acata ao meu pedido, sem contestar. 

A música, o ritmo dela. Tudo. Se há uma narradora descrevendo este momento, ela diria ser prazeroso. Meu corpo se movimenta e eu simplesmente aprecio o fato de ser observada enquanto me mexo sem direção dentre outras pessoas suadas com uísque na mão. 

Russell então me cutuca. Uma, duas vezes. 

Na terceira me preparo para xingá-la, quando percebo seus olhos esverdeados mirando num ponto em específico. 

- Tá, não vira. Mas Dylan está vindo pra cá. 

- E o que tem? Pensei que fosse algo mais sério - ME VIRO com um sorriso empolgado, porque sou completamente idiota. Por um segundo pensei que fosse apenas isso. 

Umedeço os lábios com a língua, abaixando a cabeça e sussurrando vários "nãos" de amargura. 

- Emma? - Cullen me desperta rapidamente com o estalar de dedos.

- Desculpa - retorno ao estado anterior, mais animada na verdade. Embora eu não saiba distinguir o que é de própria vontade, ou se estou sendo empurrada graças ao meu ego  insatisfeito.

Dylan e eu permanecemos na pista, rindo de nós mesmos e até de outras pessoas. 

Até que por uma infelicidade, não é preciso ser um adivinho para saber que Campbell faria algo. Nem que esse algo seja uma análise cautelosa, como se ele estivesse sugando meu ar, me expondo de todos os jeitos. E tudo isso, com a porra daqueles olhos. 

Ele estava quase engolindo uma garota há dois segundos, e agora parece que ele tenta engolir a cena a sua frente. Ou, quase.

- Preciso ir lá fora - seguro na mão de Cullen o trazendo junto comigo para uma parte mais isolada da residência, onde espero que ninguém alcance. 

- Está passando mal? Quer ir embora? 

A preocupação dele me comove, fazendo até com que eu estampe um sorrisinho de gratidão. 

- Não, não é nada disso. 

Então eu respiro fundo, tentando absorver o máximo da vibração que agora nos ronda. 

Se isso é um castigo do céus, só queria saber o motivo dele, e o porquê de estar tão atordoada. 

- Quer saber? Vamos sim - me preparo para estender meu braço sobre seu corpo, tentando não deixar registrado muitas pistas ou coisas que possam chatear Dylan. - Podemos comer alguma coisa na estrada. 

- Ótimo, gata. Podemos. 

99% fabuloso. 1% alastrante. 

Eu simplesmente tomo partido quando algo está há uma risca de acontecer; aqueço meu corpo no leve suspiro de atenuação, que instintivamente renuncia. A tensão logo retorna com caráter de quem ali se encontra e observa, eu sei

- A festa mal começou pombinhos! E vocês já vão?

A voz terrivelmente masculina e visivelmente embriagada é nítida e familiar.

Me recuso a dar atenção a ele, mas Cullen se contrapõe. 

- Valeu Campbell... mas queremos um lugar mais tranquilo, entende? - ele ainda introduz um sorriso trocista para se avantajar. 

Jamais pensaria em ver os olhos de Brandon dessa cor; a densidade, a força de um lumaréu que se estende por um vasto terreno sem fim. Não é preciso ser um gênio para concluir a veracidade da raiva que emana em seu corpo, por mais que ele insista em gargalhar feito idiota. 

- A festa não está tão boa assim para vocês dois? 

Sempre afiado. Irônico. Impiedoso.

Dylan se prepara para rebater, mas Campbell leva o indicador aos lábios, mirando na garota impaciente a sua frente: eu. 

- Quero que ela responda. 

Fixo minha atenção incrédula nele. Filho da puta. 

- Você não é mais criança, Brandon - meus dentes se semicerram e toda aquela negatividade entope minhas veias, fazendo com que rapidamente feche meus punhos. - Por que está fazendo isso? 

Ele abre a boca por instantes, mas se retém. 

- Não precisa se justificar. Se nem você se entende, quem dirá outros. Só me deixe em paz. 

Nós três ficamos calados. Por que eu deixaria um jogadorzinho egocêntrico como ele atrapalhar minha caminhada? Por que diabos eu daria corda para Campbell arruinar de vez minha vida - isso não aconteceu, eu ainda não senti a profundidade disso, mas e na próxima vez? E se der a ele o que ele quer e de repente me ver acabada em lágrimas? 

Ele não se dá conta do babaca que está sendo e isso me decepciona por ter acreditado e sonhado com ele por algumas (demais) vezes. 

...

"Eu jamais te deixarei em paz, princesa". - a voz ecoa em sua cabeça, mas não a alcança.

Contra as leis do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora