Vinte e nove

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O semblante do Sr. Campbell é de um homem espetacular; que mede cada metro que pisa, cada palavra que pronuncia.

Que viaja pela sua face até encontrar as mais recônditas respostas.

Tal pai, tal filho.

- Então, querida - ele ajusta o avental sobre o corpo e continua a lavar alguns legumes na pia. O cara deve cozinhar bem mais que eu. - É um privilégio poder conhecê-la.

- Eu é quem me sinto privilegiada, Sr. Campbell.

Não sei se devo me sentar diante a mesa, ou na sala de estar enquanto folheio revistas de decoração classe alta. 

Só sei que nem mesmo posso passar a palavra para Brandon, que está no banho.

- Ah, só Ethan. Me sinto um velho assim.

Dou uma risada tosca.

- Mas e quanto a você? Estuda em Prince Hills, pelo que soube.

- Sim, como caloura. Vim de Minnesota.

- Minnesota? Tão distante. E seus pais?

- Eles se separaram - dou de ombros.

- Me desculpe, eu não...

- Está tudo bem, Ethan. - O interrompo com a voz calma. - Cá entre nós, isso é quase uma exigência pessoal nos dias de hoje.

Ele solta um riso espontâneo, sem se afetar - não é como se devesse, mas ele perdeu a mulher que ele amava. Presumo que não seja fácil ouvir sobre términos no papel quando o dele, foi na vida.

- Quer que eu seja honesto com você, Emma? - ele se vira apanhando um pano de prato e, com uma análise rápida da janela, ele diz: - sempre esperamos pelo que achamos que irá acontecer, por isso as coisas acontecem.

Tento absorver sua frase extremamente sensível. Meia interpretação não basta, deve ser interpretada por inteiro.

Não é que ele esteja errado, somos movidos por expectativas e vibrações, mas somente isso não basta.

As pessoas se habituaram com o desgastante.

- Não irei me casar pensando no fim do casamento - ele completa. - Assim como você não entrou na vida de Brandon pensando no dia em que sairia.

Não fode, Campbell mais velho.

Esse tipo de reflexão literalmente me faz refletir.

O nó na garganta já se instala por imaginar algo desse tipo.

- E se sairmos várias vezes da vida de alguém?

- Isso só é possível quando você é uma pessoa passageira, que não modifica nada. Quando você faz história, você entra para nunca mais sair. Ou se sai, nunca mais volta.

Uau.

Espero não estar igual àquelas cenas onde a personagem encontra-se perplexa com a boca aberta.

Mas isso foi abstruso.

- Ei - Brandon adoravelmente deposita um beijo em minha testa.

Noto os fios de seu cabelo mais escuros ainda por estarem molhados.

- Vejo que já conheceu meu pai.

- Sim! - nós dois nos estreolhamos. - E já pude aprender em dois minutos coisas que levaria aulas de filosofia para aprender.

Senso de humor implacável, Emma.

- O que o Sr. Campbell disse dessa vez? - Brandon questiona com sarcasmo.

- Nada que ela não possa entender, até porque, Emma é visivelmente inteligente.

- Está puxando saco assim, no primeiro dia? 

- Ela é nossa convidada especial.

- E sempre será a minha.

Se algum dia eu passei raiva por você, Brandon, está conseguindo gradativamente eliminar tudo que restou.

Sorrio em sua direção enquanto ele puxa uma das cadeiras da mesa de jantar e gesticula para que eu me sente.

- Que cavalheiro.

- Sei que atrasei um pouco na refeição, me desculpe. Mas espero não decepcionar - Ethan surge com os pratos sobre a mesa e me sinto uma inútil por não ter pego minha própria comida.

O cheiro que envolve minhas narinas é tão bom quanto cheiro de flores num vale pacato.

Estrogonofe de camarão e salada mediterrânea!

- Ele fazia muito disso quando eu era criança - Brandon se acomoda ao meu lado, ansioso.

- Depois de um longo dia de pesca... - Ethan concorda em um tom nostálgico. - Por falar em pesca, Emma chegou a conhecer nossa casa de campo?

- Ainda não - Brandon responde de supetão.

- Fiquem a vontade para ir. Depois do casamento, não tenho certeza de quando posso voltar a Cannyville.

- E como estão os preparativos do outro lado? - questiono bastante curiosa a respeito da noiva.

- Bom, Sarah está muito empolgada. Só estava esperando a resposta de Brandon para que tudo saísse como ela queria.

Sarah.

O nome não é ruim.

- Ela é adorável. Tem feito de tudo pensando no bem estar de todos.

- Isso é incrível - presto atenção em cada detalhe que ele dá sobre o evento, desde os minimalistas até os mais extravagantes.

Sempre olhando para Brandon, para ao menos tentar captar sua emoção em relação a isso.

E está tudo normal.

Não quero me sentir uma intrusa, e eles estão colaborando para que isso não aconteça.

Esse jantar está servindo não apenas para que eu possa conhecer Ethan Campbell, mas para que pai e filho possam se abrir mais, e que os três entrem em diálogos sem sentido e harmoniosos.

Vão desde assuntos importantes até vergonhas da infância de Brandon.

Agradeço aos céus e seja lá o que estiver comandando minha vida, pois não há nada que eu pediria além disso.

Risadas e estrogonofe de camarão.

Contra as leis do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora