Capítulo XXXI

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   O sol nasce no horizonte, iluminando com seus raios alaranjados os tetos das casas e as copas das árvores. As pessoas se aglomeram nas ruas, vagando de um lado para o outro, às vezes se esbarram e ofensas voam soltas pelos ares. O dia está calmo daquele lado do rio, as notícias do grande incêndio – como ficou conhecido o fogo que consumiu o castelo de Baktavon – ainda não haviam chegado aos ouvidos do povo além rio. Absolutamente nada tinha sido esclarecido aos aldeões, apenas alguns dos grandes senhores possuem conhecimento das trapaças articuladas na corte do reino vizinho. Skaravela ainda é apenas uma camponesa qualquer, e não uma líder de rebelião, aos olhos daqueles que a viram crescer.

   A luz do sol invade o quarto de Montu, incendiando os olhos sonolentos do rapaz. Ele boceja, um pouco cansado para quem acaba de acordar. A única coisa que ele via durante esses dias eram as paredes e a decoração do quarto. Já está cansado de ficar preso ali, quando poderá se levantar e sair andando sem rumo? O rapaz tem medo da resposta, a mesma pode decidir o resto de sua vida. Como seria viver preso para sempre? O medo toma conta dos pensamentos do rapaz dia e noite, ele não consegue se acostumar com a ideia de tornar-se um inválido. De ser um inválido.

   O dia parece muito belo além dos beirais da janela. Montu tem vontade de ir até lá e ver como está a paisagem, mas não pode. Ele queria estar com sua irmã lutando pelos direitos do sobrinho ao trono, queria estar com a sua mulher e fazê-la relaxar por uma noite, queria treinar seus soldados e beber com os amigos de infância. Até quando terá que ficar ali? Nunca mais será ele mesmo? O rapaz preferia morrer do que viver aleijado.

   Montu respira profundamente. Com um forte impulso ele coloca-se sentado sobre a cama. A dor estremece suas costas e faz sua cabeça pesar, por alguns instantes o mundo parece girar enlouquecido. Ele faz mais um esforço e consegue colocar os pés no chão, pelo menos está sentindo o frio do assoalho. O rapaz tenta se erguer, mas o corpo vacila com a dor latejante e explosiva. Ele tem vontade de gritar, talvez chamar por ajuda, mas o orgulho é mais forte do que a dor. Novamente, ele esforça-se e dessa vez o corpo se ergue, está em pé.

   Montu pode sorrir, não será um inválido como pensava. Por que não tentou isso antes? O Myr sempre esteve errado a seu respeito.

   As pernas dele tremem, ele pode sentir os músculos rangerem e os nervos arderem. Misericordiosos são os deuses. O rapaz tenta dar um passo, quase cai, mas segura-se na cabeceira da cama. O que é um soldado que não anda?

   A janela não está tão longe, só precisa dar no máximo dez passos, apenas míseros dez malditos passos. Ele tenta novamente, dessa vez cai na cama antes mesmo de levantar a perna. Pragueja. Num impulso de raiva e angústia o corpo move-se doloroso, dando um passo de cada vez. Seu pé parece não conseguir sustentar o peso do corpo, as pernas dele tremem e a cabeça gira.

   "Um guerreiro não sente dor"
   Pensa ele repetidas vezes.

   – Senhor! – grita Eva, confusa.

   Montu vira-se para a serva e sorri, pois tinha conseguido chegar à janela.

***

   O fogo consome tudo o que pode inflamar-se com as chamas, elevando aos céus da alvorada uma fumaça negra. A noite se passa ligeira, todos os dez do grupo de sobreviventes que acompanham Skaravela estão a uma distância consideravelmente segura, olhando perplexos para a majestosa e antiga construção ruindo perante seus olhos. O fogo está tão intenso que mesmo depois de quase quatorze horas ainda não demonstra vacilos.

   – Chamas que irão fazer falta – diz Sor Peodor.

   – Um verdadeiro rei não precisa de um castelo para se esconder – responde Skaravela.

A Skaravela.Onde histórias criam vida. Descubra agora