Não vou te abandonar... com ele fez.
Uma voz insistia em repetir essa frase na cabeça de Alice. Por mais que tentasse focar sua atenção ou ter outros pensamentos, a dor permanecia cravada em sua mente. As cenas do abandono ecoavam repetidas vezes, e era como se ela conseguisse assistir a todo desenrolar de sua humilhação, bem ali, sentada naquela sorveteria. Assim que Liam saiu do ônibus, ela esperou 10 minutos para descer. Não queria chegar em casa tão cedo. Então resolveu esfriar a cabeça, e nada melhor do que tomar um sorvete para fazer isso. Era extremamente difícil se abrir para uma pessoa nova, e mais difícil ainda confiar. Liam tinha que entender que cada coisa era no seu tempo. Ela não ia dizer "Eu te amo" com a mesma facilidade de diz "Bom dia". As coisas não eram assim, ainda mais para quem sofreu tanto com o coração partido. Alice pensou que se tentasse se envolver com ele, os fantasmas do passado desapareceriam. Mas foi o contrário. Eles estavam ali, rindo de sua cara, olhando para ela com pena, com deboche, mostrando o quão estavam satisfeitos com a desgraça que foi seu noivado.
Quando era pequena, sua mãe sempre dizia para ela chorar, pois ajudava a aliviar a dor. E Alice quis, mais do que tudo, chorar naquele momento. Mas nada vinha. Nem quando sua mãe morreu, nem quando foi abandonada no altar e muito menos enquanto relembrava. As lagrimas não se formavam. Invejava todos os outros que choravam quando estavam tristes, ela não conseguia. Mínimas vezes, respingos de felicidade saiam de seus olhos, mas nunca, nunca lágrimas necessitadas, lágrimas pesarosas, de dor e sofrimento. Todas essas estavam escondidas, e por mais que Alice tentasse encontrá-las, elas persistiam escondidas.
Uma moça com cadeira de rodas entrou na sorveteria, chamando a atenção. Ela aparentava ser simpática e sorriu para Alice. Olhando para aquela menina, Alice percebeu como as pessoas realmente são diferentes, como elas podem enfrentar vários problemas no cotidiano e mesmo assim não deixar de dar um simples sorriso. Quantas dificuldades aquela moça enfrentou em sua jornada, quantas vezes ela deve ter pensado em desistir? Há uma enorme diferença em pensar que aceitou e aceitar definitivamente. Alice pensava que tinha aceitado abrir o coração, mas não. Ela continuava estagnada no mesmo lugar. Estava se sentindo uma inútil.
Ficou sentada a tarde inteira na sorveteria. Ignorou os atendentes que, preocupados, perguntavam se estava precisando de algo. Em algumas das vezes quase pensou em desabafar, mas sua mágoa era tão grande que se transformava em orgulho ferido. Não suportaria ver mais uma pessoa sentir pena dela. Não suportou Liam a olhar daquela forma, como se ela fosse um animal com a pata machucada que precisava de ajuda. Ela não precisava de ajuda. Ou talvez precisasse. Não estava sabendo mais lidar com seus sentimentos.
- Moça – chamou o gerente – Oi... então... nós já estamos fechando.
Alice levantou a cabeça e olhou diretamente para ele. Não tinha entendido uma palavra do que dissera.
- Ãn?
- Eu disse que já estamos fechando – ele apontou para as funcionárias limpando o chão.
- A sim.
Ela se levantou e saiu rumo ao ponto de ônibus. O céu estava escuro, e com algumas núvens carregadas, iria chover. Assim que deu alguns passos, resolveu ligar o celular, que havia desligado para não receber chamadas de ninguém. A tela se acendeu e as notificações apareceram. Havia 6 ligações de Liam, 12 de Luíza e duas de seu pai. Tentou retornar para seu pai, mas como sempre, estava caindo na caixa postal. Viu as mensagens de Liam e as ignorou, não estava pronta para falar, precisava de um tampo para se encontrar e decidir que rumo levaria sua vida.
Como o ônibus estava se aproximando, guardou o aparelho na bolsa. 15 minutos mais tarde, estava na entrada de seu prédio quando ouviu os berros de Luiza vindos da escada.
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TUDO POR VOCÊ
RomanceAlice é uma jovem independente que trabalha em um sexy shop, ela cursou fotografia mas não conseguiu realizar seu sonho de trabalhar na área, tem uma leve tendencia a grosseria. Já Liam é o oposto, muito bem humorado e irlandês, gosta de fazer loucu...