Capítulo 21

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- E aí, qual sua resposta?

Ele suspira e se afasta de mim pensando.

- Perguntas sobre o que?

- Sobre tudo. - digo sorrindo.

- Tudo bem, eu aceito. - diz depois de um bom tempo.

Eu sorrio mas depois lembro que vou ter que contar algo que me magoa muito e que eu deixei enterrado há muito tempo.

- Foi algo sério pelos vistos. - diz percebendo a minha agonia - Eu vou trocar de roupa enquanto você pensa em como contar. - diz pegando algumas roupas e indo pro banheiro no corredor.

Eu não sei como contar isso. Nunca falei sobre esse assunto em voz alta para ninguém. Algumas coisas eu nem sei direito como aconteceu e a minha mãe não gosta de falar sobre o assunto. Ela prefere fingir que nada daquilo aconteceu.

O Gustavo não demora muito para voltar quando eu olho para ele aí sim que o meu coração aperta de verdade.

- O que? - pergunta olhando pra si mesmo.

- Você está igualzinho a ele. - digo baixinho.

- Igual a quem? - pergunta colocando a caixa no lugar que estava antes e sentando na minha frente.

- Você não é o único com uma história complicada. Quando eu cheguei nessa cidade, eu tinha uns 2 meses de idade. O meu pai acreditava que aqui a gente ia viver em paz e ser muito felizes. Ele não precisaria se matar trabalhando, aqui a minha mãe não precisaria trabalhar tinha escola e tudo mais. Durante muito tempo nós fomos aquela família perfeita que aparece nos filmes. O meu pai chegava em casa sempre alegre, brincava comigo.....e com ele depois do trabalho.

- Ele de novo. Quem é ele?

- O meu irmão. - digo depois de um tempo.

- Eu achei que você fosse filha única.

- Ele tinha 17 anos e eu tinha 6 anos. A gente sempre foi bem apegado mesmo com a diferença brusca de idade. - digo sorrindo - Ele me incluía nos planos dele, me levava para sair com ele pelas cidades vizinhas. Era um ótimo irmão. E acredite você ou não, vocês dois são bastante parecidos.

- Por isso quer tanto me conhecer melhor? Para saber se eu sou mesmo como ele era? - pergunta triste - Porque se for por isso, Alicia melhor você parar aqui mesmo antes que....

- Não é por isso. - digo interrompendo ele - O motivo de eu querer ficar...te conhecer melhor - digo logo me corrigindo - não tem nenhuma relação com o meu irmão. Mas eu só notei agora quando você colocou as roupas dele o quanto vocês são parecidos.

- Então, o que aconteceu com ele? - pergunta depois de um tempo.

Eu respiro fundo revendo todas as imagens na minha cabeça. Revivendo o pior dia da minha vida mais uma vez.

- Bem, quando a grande feira, aquela a que nós fomos estava na cidade vizinha, o meu irmão e o meu pai estavam morrendo de vontade de ir lá.

Flashback on

- Vamos mãe vai ser irado! 

- Eu não quero, é sempre as mesmas coisas, as mesmas atrações as mesmas pessoas. Vão vocês eu fico em casa com a Alicia.

- Ah mamãe mas eu também quero ir. - digo bem animada - O mano disse que esse ano tem brinquedos novos!

- Ele sempre diz isso meu amor. - diz rindo.

- Mas dessa vez é verdade.

- Vamos querida, vai ser legal. Podemos passar um tempo de qualidade todos juntos e as crianças podem se divertir. - diz o meu pai tentando convencer a minha mãe.

- Obrigada amor mas eu não estou no clima mesmo. Prefiro ficar em casa, vocês podem ir se divertir.

Flashback off

- Não não conseguimos convencer a minha mãe então eu prometi trazer uma maça do amor para ela quando a gente voltasse. Ela me arrumou eu eu fui com o meu pai e com o meu irmão pra feira. Chegando lá, não tinha absolutamente nada de novo, eu lembro de ter perseguido o meu irmão por metade da feira falando que ele tinha mentido para mim. - digo rindo me lembrando da cena.

O Gustavo não diz nada apenas escuta com bastante atenção.

- Nós aproveitamos a feira como sempre fazíamos, andamos em todos os brinquedos e eu comprei a maça do amor para a minha mãe. Eu lembro que o céu estava muito fechado nessa noite então quando começou a chover todos foram embora e as pessoas fecharam os brinquedos porque a chuva estava muito forte. O meu pai não queria sair com o carro naquela chuva, ele queria esperar porque realmente estava caindo o céu. 

- Mas vocês saíram com o carro. - completa o Gustavo.

- Eu comecei a embirrar falando que a gente não podia ficar esperando porque a maçã do amor da minha mãe ia estragar e que eu tinha que dar logo a maçã para ela. Eu fiquei bastante tempo irritando o meu pai para ele sair com o carro, o meu irmão não me convenceu de que a maçã não ia estragar e que a gente não podia sair naquela chuva porque era muito perigoso. Então, o meu pai saiu com o carro. A chuva ficava cada vez pior e pior, quanto mais nós nos afastávamos da feira mais forte a chuva ficava. E a visibilidade estava praticamente minima.  Tem uma curva muito perigosa na entrada da cidade. Os carros que estão vindo não conseguem ver os carros que estão saindo. O meu pai acelerou, porque a gente já estava chegando e aquela hora e com aquela chuva, nenhum carro estaria na estrada.

- O carro bateu. - completa o Gustavo.

Eu começo a chorar lembrando de tudo o que aconteceu.

- O carro bateu de frente com um camião. - digo limpando as lágrimas que não paravam de cair - O meu irmão estava sem cinto então com a batida ele foi jogado pra frente. Ficou com o corpo uma parte dentro do carro e a outra parede atravessada pelo vidro. - digo fungando - O meu pai bateu com tudo no volante. Os médicos disseram que entrou sangue no cérebro dele. E ele morreu umas horas depois de chegar no hospital.

Eu limpo o rosto tentando parar de chorar mas isso parece ser impossível.

- E você? - o Gustavo pergunta depois um tempo em silêncio.

- Eu só machuquei o nariz porque bati com o rosto no banco da minha frente. - digo com um sorriso forçado limpando o rosto.

- Alicia isso não foi culpa sua!

- Não precisa vir com esse discurso eu já ouvi várias vezes.

- E sempre vai ouvir. Isso foi um acidente, mesmo que vocês tivessem saído mais tarde poderia ter acontecido do mesmo jeito. - diz se aproximando de mim.

- Ninguém que saiu depois que a chuva passou teve um acidente. Eu fiz o meu pai sair com o carro quando estava caindo o maior temporal. Eu fiz ele acelerar o carro. Eu matei o meu irmão e o meu pai. E eu sei disso. - digo deixando as lágrimas caírem.

Ele se aproxima de mim e segura o meu rosto entre as mãos olhando no fundo dos meus olhos. Nesse momento ele aproxima o rosto do meu e me beija. 



Qual deles é o tal?Onde histórias criam vida. Descubra agora