Capítulo 17 - A Feira Das Lembranças

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O quartinho era muito pequeno, com mofos verdes incandescentes nas paredes e Bernalk jurava que havia visto um rato passar por debaixo da porta segundos depois de ele recuperar a consciência. Suas mãos pulsavam graças a ausência de corrente sanguínea causada pelo aperto da corda que o atava na cabeceira da cama.

O mago notou a figura abaixada num dos cantos da sala, a menina parecia revirar uma mochila. Ela tinha cabelos loiros quase brancos e bem curtos, cortados de maneira aleatória como se tivesse sido cortada às pressas e na navalha, cada mecha com um comprimento diferente e desigual. A garota virou-se e pareceu surpresa ao ver que Bernalk a olhava de volta. Ela estava com o rosto corado, tinha olhos azuis e sobrancelhas loiras esbranquiçadas, iguais ao cabelo. Ao se levantar, o mago notou que ela alcançava a altura de seu peito. A moça o encarou profundamente com um olhar louco e Bernalk se arrepiou com a figura bizarra da menina.

_ Olá. – Cumprimentou Bernalk.

A garota bufou e olhou para baixo, ainda corada. Ela virou-se novamente para a mochila e voltou a revirá-la apressadamente. Ela vestia roupas simples, quase trapos do que antigamente deveria ter sido um vestido bonito, agora estava completamente sujo e desgastado. A moça vestia sapatos negros surrados e sujos também.

_ Sabe o que me faria demasiadamente grato? Se cortasse estas cordas e me soltasse. Ia ser legal. – Bernalk exibiu seu sorriso mais infantil.

_ Sabe o que me faria demasiadamente grata? Agradecer-me por ter te salvado. – O mago não sabia se era por que o quarto era pequeninho ou se a voz da garota era tão estranha daquele jeito, mas agora se lembrava. Lembrou que seguia o monstro até uma casinha abandonada. Oh, sim, seus amigos lutaram contra a fera mas, mas nada. O rapaz não se lembrava de mais nada. A garota se aproximou empunhando uma faca suja com um liquido vermelho seco e andou com certo cambalear em direção a cama onde o mago estava preso.

Ela cortou as cordas e Bernalk sentiu o sangue irrigar as mãos ainda doídas e entorpecidas. Sentou-se na cama e observou a menina que o olhava com olhos arregalados e rosto corado.

_ Salvei você. Cuidei de você. Era para eu ter te entregado, meus empregadores disseram para eu entregar você vivo. Mas não pude. – A moça olhava do chão para Bernalk repetidas vezes, sem piscar. Tinha olhos de louca.

_ Bom, obrigado. Onde estão meus amigos?

_ Amigos? Não sei. – Disse a moça de voz sussurrada.

_ Como não? Ora, e o monstro que os atacou?

A garota revirou os olhos como se tentando se lembrar de acontecimentos em livros de história.

_ Óh, sim. Acho que morreram. O saci sugou a sua energia e enquanto ambos lutavam inutilmente contra o bicho eu aproveitei a situação para lhe arrastar até meu cavalo. Dopei você ainda naquela clareira e você só acordou agora, é natural não se lembrar de nada mesmo. Comecei a seguir vocês três num dos campos de milho no meio do nada, se estivesse um pouco mais longe não teria conseguido entrar no esconderijo do saci, só crianças são capazes... – A loira falava mais para ela do que qualquer outra coisa, chacoalhava a cabeça de maneira frenética e quase alucinada.

Bernalk franziu o cenho e olhou para o pulso, sem sinal de Elva mas ela estava viva. A ministra de Bern sempre mantinha contato com ele, não fazia sentido ficar tanto tempo sem lhe enviar algum sinal. "Pera" pensou o mago. "Quanto tempo?".

_ Quanto tempo faz desde que me salvou desse monstro? – Perguntou.

_ Umas duas semanas. E eu não te salvei desse monstro, roubei você dele. – Respondeu a garota categoricamente com uma raiva que quase a fazia babar.

O Capa Vermelha - Livro 1: As Crônicas de IvalinOnde histórias criam vida. Descubra agora