O Sem Alça cortava o mar com pressa e delicadeza. Os marinheiros puxavam cordas e carregavam materiais para cá e para lá no ritmo da cantiga, todos cantavam exceto o capa azul que sentava-se em um canto do convés principal, todo rabugento com seus livros. O grande navio havia sido construído há mais de uma década e havia sido dilapidado por todo esse tempo pelo capitão Brian, que instalou virotes por toda a extensão do convés, reforçou o casco com madeira nobre e dura e, além disso, desenhou runas mágicas de acordo com as necessidades e a criatividade do capitão em prever situações que poderiam pôr a prova o grande navio do pirata. Kauê disse que toda essa historinha era "um baita migué", mas era inegavelmente um belo e rústico navio.
Karen, ao contrário do irmão, havia se adaptado muito bem à vida no mar: Vestia roupas leves, claras e frescas, ajudava com a puxação de cordas, cantava todos os poemas dos marujos e ajudava-os a esvaziar os grandes barris de bagaceira. Nudous corria com os ratos por todo o navio e parecia feliz.
Na popa do navio estava Brian conduzindo o leme, quando este movia o timão, era hipnotizante observar o rolar das roldanas e a dança das cordas que moviam as velas negras do Sem Alça. De popa a proa eram cerca de onze metros e ostentava uma tripulação de sessenta homens, quarenta capas vermelhas e vinte dos "mais hábeis arqueiros" dizia o Fogo Negro. Capas vermelhas custavam caro, ainda mais os que sabiam servir de tripulação, mas Brian assegurou que todos seriam bem pagos assim que obtivessem o artefato e seu navio de riquezas.
A imensidão do mar era, deveras, intimidante. Karen demorou a se acostumar a não enxergar o continente ou coisa alguma. Abaixo as profundezes escuras e turvas do oceano eram estranhas, coisas se moviam rapidamente de lá para cá e vez ou outra algo saltava para fora das águas salgadas para logo mergulhar novamente para as profundezes. Luzes podiam ser vistas lá em baixo mas não só de noite, de dia as mais fortes e intensas podiam ser avistadas, caso observadas por um espectador atencioso. Durante a noite não havia necessidade de fogueiras pois a própria iluminação "dos bichos lá embaixo", segundo o contador de histórias, era o suficiente para iluminar o convés superior, mas durante a noite a tripulação descansava e contava histórias até que os sonhos os alcançassem.
Nos primeiros dias de navegação o Sem Alça tinha bastante companheiros, dos pequenos barquinhos de pescadores até as grandes embarcações mercantis que velejavam mar adentro, mas já no terceiro dia o navio dos irmãos haviam alcançado o território da pirata mágica e nem sequer um barquinho ousava cruzar o caminho dela.
O dia estava claro, o céu azul e os ventos estavam fortes e quentes no quinto dia, o dia perfeito foi estragado com o avistamento de uma penumbra no horizonte. No topo da gávea da vela mais alta a capa vermelha gritava e sacudia os braços nervosamente. Toda a tripulação correu a bombordo para confirmar a presença de uma grande tempestade e, abaixo dela, um grande navio com velas negras.
TUM. – Soou o tambor.
_ Cinco quilômetros a cinco nós. Trinta minutos. – Declarou o Fogo Negro para si, mas as palavras pareciam que foram berradas aos quatro ventos.
Todos correram para seus baús e de lá saiam espadas, arcos e flechas, varinhas e toda a sorte de itens mágicos e artefatos. Aquela seria uma batalha de vida ou morte, todos sabiam. Era uma muvuca silenciosa e ensaiada, os marinheiros sacavam seus equipamentos de guerra e sentavam nos banquinhos ao longo do convés, os arqueiros agora desciam para o segundo convés para assumir os remos e Karen ficou ao lado de seu irmão na proa do navio, observando a escuridão se aproximar.
TUM.
Karen viu uma das capas vermelhas segurar o capacete na cabeça para se curvar e vomitar. As ondas ficavam mais fortes e ao bater no casco do Sem Alça jorravam as águas salgadas nas capas luminosas. A fuinha tremia nos ombros da lutadora que achou ser melhor guardar o bichinho na bolsa, e jogar a bolsa no segundo convés, mas já era tarde.
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O Capa Vermelha - Livro 1: As Crônicas de Ivalin
FantasyIvalin é um mundo mágico e problemático. Diversas raças coexistem em uma simbiose caótica onde guerras são travadas com magia e ferro. Quando novos rumos são tomados em um dos reinos dos humanos que parece ser prejudicial a todos, uma guerra eclode...