8 - (Uma flor) Nesse jardim

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No dia seguinte, como prometido, Emy passa no meu quarto pela manhã.

Ela faz umas brincadeiras meio sem sentido e quando dá a hora do almoço ela fala que tem que voltar para o quarto e, depois de me dar um beijinho na bochecha, sai.

Depois de almoçar a comida do hospital, eu queria algo doce, mas não veio nada. Então quando a enfermeira vem recolher a bandeja pergunto sobre a sobremesa e ela diz que estão sem e só na semana que vem.

Agora eu estou chateado porque eu queria algo doce, nem que fosse achocolatado.

Suspiro irritado. Pelo menos isso eu merecia.

...

Já são quatro horas e eu estou completamente entediado.

Batidas na porta e a garota pergunta se pode entrar e afirmo.

- Desculpa a hora, eu...

- Não - a interrompo.

- Não? - pergunta confusa.

- Não te desculpo - digo e ela me olha assustada. - Só se você me arranjar algo doce - falo.

- Algo doce? - pergunta confusa.

- Eu quero doce - falo cruzando os braços e fazendo um biquinho.

Ela ri.

- Está andando muito com Emily - diz. - Está agindo como uma criança.

- Uma criança com fome de algo doce - digo.

- Você pode comer doce? - ela questiona.

- Posso - falo.

- Você não está pedindo para que eu contrabandeie chocolate, certo? - ela ergue uma sobrancelha e rio.

- Não, eu realmente posso comer. Na verdade, eles sempre trazem com o almoço, mas acabou e agora só na semana que vem - falo ainda emburrado.

- Tá bom, então - ela coloca as coisas na cadeira. - Já volto.

...

Depois de dez minutos ela volta com um saquinho de chocolates.

Estendo a mão para pegar mas ela afasta de mim.

- Meu doce - reclamo.

- Nosso doce - ela diz. - Vai ter que dividir.

- Certo - falo um pouquinho irritado e ela abre o saco e me entrega.

- Desculpada? - pergunta.

- Você sabe que eu estava brincando, não é? Você não tem obrigação de chegar aqui às duas todo dia.

- Eu sei - ela fala. - Mas eu gosto de chegar, e ia te explicar o porquê de não ter chegado antes. Que, a propósito, foi porque estava com Emily.

- Eu imaginei - digo.

Comemos em silêncio por um tempo e estou bem feliz por estar comendo chocolate.

- JungKook - ela me chama e respondo com um "uhm" porque estou mastigando. - O que... o que...?

Ela se interrompe e volta a comer sem me olhar.

Já sei onde essa pergunta vai terminar e simplifico as coisas.

- Esclerose múltipla - digo e ela me encara. - Você ia me perguntar o que eu tenho, certo?

Ela afirma com a cabeça.

- Você... gostaria de conversar sobre isso? - ela pergunta baixo.

- Não é meu tipo de conversa preferida - digo. - Mas se quiser saber alguma coisa pode perguntar.

Ela fica em silêncio e depois nega com a cabeça.

- De verdade - falo. - Se quiser...

- Por que alguém saudável vai ao hospital, JungKook? - encaro-a confuso.

- Para... visitar alguém...? - respondo mas sai como uma pergunta.

- Certo, mas, no dia que nos conhecemos, eu não conhecia ninguém, por que eu viria aqui? - ela continua.

- Você veio doar o cabelo - não entendo o rumo que essa conversa está levando.

- Sim, e por que eu doei? - ela insiste.

- Porque tem crianças que precisam?

- Isso mesmo - ela diz.

- E o que isso tem a ver com o que estávamos falando? Quer dizer, eu nem lembro do que estávamos falando. Como chegamos aqui?

Ela ri.

- Estávamos conversando sobre eu chegar aqui cedo. E, com isso eu não quis dizer que você precisa de mim, só acho que precise de alguém.

- O quê? - pergunto confuso.

- Meu pai ficou internado por quase um ano antes de morrer. No começo não era tão ruim, nem solitário. Ele recebia flores sempre, bichinhos de pelúcia, chocolates... Mas com o tempo as pessoas simplesmente pararam de aparecer. Se aparecesse alguém uma vez por mês era muito. Ele chegou a ficar depressivo. Claro que eu e minha mãe continuávamos indo, mas não é a mesma coisa.

"Eu doei meu cabelo para as crianças porque se estivesse no lugar delas ia querer que alguém doasse para mim. Na verdade, eu só vinha cortar o cabelo naquele dia, mas eu encontrei aquela gracinha, e a primeira coisa que ela disse foi: vou te apresentar um amigo meu, ele precisa de amigos da idade dele."

"Admito que achei que ela só falou aquilo por falar, mas, de repente, ela estava me puxando para cá e... nossa, eu estava morrendo de vergonha. E você... você é diferente do que eu esperava. Você perece uma pessoa saudável, e, pela sua aparência, deve ser uma pessoa que tem vários amigos. Sem querer dizer que beleza interfere em amizade ou qualquer coisa do tipo."

"Mas, quando nós começamos a conversar, você continuava reclamando por eu estar aqui, mas, mesmo assim, me disse seus dias livres. E naquele momento eu quis ser sua amiga, porque se estivesse em lugares opostos, ia querer que você fosse meu amigo."

"Você parecia sozinho e isso me irritou, por que uma pessoa da nossa idade não devia ficar sozinha, nós somos uma geração problemática e sensível. Mas não quero que pense que eu venho aqui porque tenho pena de você ou algo do tipo, quando disse que eu gostei de você estava falando sério, você é divertido e gosto de passar tempo com você. Eu sei que não somos super amigos, mas..."

Ela não termina a frase e respira fundo:

- Eu não sei se algo que eu disse te ofendeu ou te fez sentir diferente, mas eu espero que no futuro sejamos amigos de verdade, porque eu ia gostar de ter você como amigo. Então eu vou continuar vindo, sempre que possível, o mais cedo possível, até você enjoar de mim.

"E se você não se sente confortável para conversar sobre o que você tem eu não vou te pedir que o faça, afinal, como sua amiga eu estou aqui para te distrair de toda essa chatice."

Encaro-a perplexo, ainda assimilando seu discurso.

- Eu só quero saber uma coisa - digo. - Você quer ser amiga do JungKook ou do garoto doente que encontrou quando foi ao hospital?

- No primeiro dia, eu queria ser amiga do garoto doente que encontrei no hospital, que me lembrava da época que meu pai estava no hospital. Hoje eu quero ser amiga do JungKook, um garoto divertido e fofo, que gosta do homem de ferro e assiste Stranger Things comigo. A não ser que você não queira...

Ela me encara esperando que diga algo.

- Sua sorte, é que você é minha única opção.

Ela me encara sem saber como reagir e começo a rir

- Eu estava brincando - rio e, depois de um tempo, ela faz o mesmo.

- Seu garoto perturbado, sem mais chocolates pra você - pega o saco da minha mão.

- O quê? Não, o chocolate também é meu.

- Era.

Forever - JJKOnde histórias criam vida. Descubra agora