Não temos vagas.

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Eu estava em mais uma das minhas longas manhãs tediosas, no quintal dos fundos da casa da minha vó observando o céu e algumas árvores, enquanto bebericava meu chá gelado. Era o primeiro dia ensolarado depois de muitos dias nublados e chuvosos de outono, então estava apreciando cada segundo de sol. Nunca gostei muito de temperaturas baixas.

Ouvi a campainha tocar. Como no outro dia, não esperava que alguém viesse me visitar, então caminhei com desconfiança até a porta, e dessa vez fui surpreendida por um completo estranho na minha frente. O homem era alto, usava um uniforme preto, tinha o olhar sério, nada amigável, e possuía uma prancheta em suas mãos.

- Bom dia, no que posso ajudar? – Perguntei com receio assim que abri aporta, querendo que ele fosse embora logo.

- Bom dia, posso falar com a senhora Mendes? – Mencionou o sobrenome da minha vó e eu o olhei com curiosidade.

- Bem, ela não está, mas eu posso tirar alguma dúvida?

- Você já é maior de idade? – Perguntou e eu assenti. – Eu sou da rede de energia, vim avisar, que se as dívidas dos meses atrasados não forem pagas, teremos que desligar a rede – Foi direto e me deixou de um olhar curioso para um preocupado.

- Certo.

- A senhorita poderia assinar o aviso? – Falou me entregando a prancheta com a caneta e ainda calada assinei. Depois disso sem dizer mais nada o observei sair.

Entrei em casa baqueada com a notícia. Caminhei com calma até o escritório improvisado que minha vó havia feito no quarto onde minha mãe dormia quando era adolescente. E eu afirmo que a calma naquele momento não era por não me importar com isso e sim por não saber como reagir. Ao entrar no cômodo ignorei tudo a minha volta que fazia evitá-lo e segui procurando pela pasta rosa que a vi colocando contas á alguns dias atrás antes de ir trabalhar.

Como o esperado encontrei a pasta. As contas de luz foram as que me trouxeram maior preocupação, porém não eram as únicas atrasadas. Eu comecei a me sentir mal. Durante esses dois meses ela pareceu estar com tudo no controle, mesmo que eu sabia que não estávamos na melhor situação financeira, não sabia que estávamos nesse ponto. Era desesperador.

- Eu não posso deixar isso continuar – Falei sozinha e caminhei na direção do meu quarto colocar uma roupa decente para sair de casa.

Sem pensar muito peguei um ônibus para o centro. Estava desesperada e precisava procurar algum trabalho, essa foi uma reação extremamente precipitada, entretanto foi a única mais lógica que tive. Pensei em chorar como sempre tenho feito, mas sabia que isso não mudaria nada, só tornaria as coisas ainda piores. Quando desci na minha parada comecei a caminhada até um mercado que eu havia visto na internet que estava precisando de novos funcionários.

Ao chegar no estabelecimento fui até o atendimento ao cliente, para pedir informações sobre com quem eu poderia conversar sobre a vaga.

- Você pode deixar seu currículo e nós iremos retornar se seu perfil se encaixar com o que procuramos – A mulher que estava na minha frente respondeu com frieza.

- Eu não tenho um currículo, mas realmente preciso desse emprego. – Falei com inocência e ela riu. Fazendo com que meu rosto queimasse de raiva naquele momento.

- Então você pode entrar para a fila, todo mundo que vem aqui tem uma história triste para me contar, na realidade você pode ter certeza que não vai ser chamada para a vaga. Nós somos um estabelecimento respeitável e organizado. Não gostamos de pessoas do seu perfil aqui – Falou e eu continuei calada – Se não for comprar nada pela loja, a senhorita pode se retirar.

- Nunca iria gastar meu dinheiro nesse lugar de merda – Cuspi as palavras dando as costas para a mesma, sem esperar a resposta. Eu não gostava de ser grosseira, mas estava sem cabeça para aguentar as coisas calada.

Enquanto saia de lá com passos apressados senti alguém tocar nas minhas costas e virei para saber quem era dando de cara com uma garota de pele clara e cabelos coloridos.

- Está tudo bem? – Perguntei por educação. Não estava entendendo o que ela queria comigo.

- Eu ouvi a conversa – Falou tentando ainda recuperar o ar me fazendo arquear a sobrancelha – Olha, se você quiser um emprego mesmo, tem um bar nessa rua aqui – e pegou um papel amassado no seu bolso começando a escrever, provavelmente o endereço – Eles estão procurando por alguém, não pagam tanto, mas não tem toda a burocracia que aqui tem.

- Obrigada, de verdade, mas por que quer me ajudar? – Perguntei sem muita confiança na ajuda inesperada.

- Fui com a tua cara – Falou sem muita importância e eu assenti – Tudo bem, tenho que ir, não esquece de avisar que a Kiara que te mandou.

- Obrigada, Kiara.

- Por nada, garota desesperada. – Falou andando de volta para onde estava.

Fiquei olhando para o endereço em minha mão, imaginei mil e uma possibilidades do que teria lá, todas envolviam assassinato, talvez eu esteja vendo muito programa de investigação na televisão. Mas mesmo assim decidir ir, se fosse algum lugar suspeito para mim, não entraria.

A caminhada foi mais rápida do que pensei e fiquei surpresa ao ver que era o bar onde Beatriz disse que apenas fracassados trabalhavam, vulgo antigos colegas do colégio. Imaginei por alguns poucos segundos o que ela diria se me visse ali, apesar disso entrei no local. Ao entrar senti o cheiro de bebida, as luzes estavam acesas e as cadeiras em cima da mesa, o chão estava molhado e tinha um cara loiro junto com uma menina morena estavam limpando o bar, ficava claro que não estava aberto, mas mesmo assim caminhei na direção dos dois que dirigiram seu olhar para mim.

- Com quem eu posso falar sobre a vaga? – Perguntei com certo receio por estar completamente fora da minha zona de conforto.

- Não está mais disponível – a garota pronunciou com rigidez. As pessoas dessa cidade não são amigáveis.

- A Kiara acabou de me falar que tinha, deve ter se confundido de lugar então – Pensei alto, por costume, pegando o papel para checar se eu havia vindo para o lugar certo.

Respirei cansada. Eu não iria consegui ajudar tão cedo minha vó. Teria que aguentar mais um tempo ver as dívidas crescendo, ver minha vó chegando tarde e saindo cedo. Tudo por minha causa. Tudo por causa do acidente. 

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