Desculpa, eu te conheço?

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Uma semana tinha se passado desde que recebi a notícia. Sentia aquelas paredes de hospitais me enlouquecer a cada minuto ali, ainda era difícil lidar com a minha confusão interna, de ter que me enxergar em um mundo só que sem meus pais. Durante toda semana não vi minha vó quase, ela está trabalhando e não fica muito tempo por aqui, então minhas companhias se resumiram a Amanda, fisioterapeuta e enfermeiras, mas mesmo assim não conversei muito com ninguém, nenhum assunto tem me prendido o bastante.

E nesses dias apresentei algumas melhoras, físicas e mentais, no que se diz a memória. Já conseguia andar sem a ajuda de um andador, só precisava ainda prestar muita atenção ao pisar, meus passos não eram ainda muito firmes e nem muito rápidos, os braços só tinham agora as cicatrizes, mas não doíam quando eu os mexia. A minha memória ainda não estava recuperada por completo, pareciam que os últimos dois anos da minha vida foram um borrão e nem minha vó conseguia me ajudar a lembrar dessa parte, já que ela disse que não estávamos mais próximas nos últimos 5 anos.

- Amélia! Acorda, estou falando com você – Amanda disse agitada passando a mão na minha frente.

- O que foi? – Perguntei no mesmo tom que ela.

- Quer trocar o pudim? Eles me deram de baunilha e eu só como de chocolate – e fez cara de dó ao terminar de falar.

- Os dois são horríveis, não vai fazer diferença nenhuma – respondi entregando para ela.

- Qual é? Olha essa comida sem tempero algum! É uma delícia.

- Se eu não tivesse que comer isso, até tentaria me convencer com a sua fala, mas eu dispenso a enganação – Respondi rindo e voltando a minha atenção para a pequena televisão na nossa frente, que passava um desenho naquele momento, mesmo que minha mente não estivesse ali no desenho e sim em meus devaneios.

Depois de comer, eu tentei dormir, mas não consegui de jeito nenhum. E como Amanda dormia, resolvi de vez folear aquele álbum, ver o que tanto eu temia, a atitude que tomei foi tanto por saudade dos meus pais, como também, eu sabia que iriam ter fotos nossas ali dentro e para colocar um ponto final nessa curiosidade misturada com um medo que me cercou por esses dias. Sem nenhuma enrolação após o pegar comecei a virar página por página, no começo eram fotos minha de pequena, no primeiro banho, na primeira festa de aniversário, os passeios de domingos em parques, viagens. Todas as coisas que conseguiram me confortar e me levar mentalmente para aqueles dias, claro que as lágrimas me acompanharam durante cada foto, mas ver novamente o sorriso deles, conseguiu acender uma pequena chama que parecia estar apagada dentro de mim.

Não foram apenas alguns minutos que fiquei olhando as fotos, foram por quase três horas, e ainda assim não consegui terminar naquele mesmo dia, tentei ao máximo prestar atenção nos detalhes de cada foto, lembrar do dia e de tudo que minha mente era capaz de me fazer sentir. No final da noite, foi a primeira vez que consegui dormir ao ponto de precisar ser acordada pelas enfermeiras no horário do café da manhã e dos remédios, já que sempre minha insônia me fazia ficar acordada desde ás 5 horas da manhã.

- Amélia, você anda progredindo muito – A fisioterapeuta disse e eu assenti sem expressão – O que acha de voltar para casa na sexta? O neurologista já te liberou, só falta eu.

- Você deve fazer o que acha melhor – Respondi séria parando de fazer os exercícios que ela havia me mandado fazer.

- Eu quero saber sua opinião, acha que está pronta para esse passo?

- Olha, eu não faço a mínima ideia, estar presa aqui me deixa louca, mas se eu sair, significa que eu preciso recomeçar e essa parte só depende de mim – falei dando ênfase no eu – isso me assusta, então não deixa essa decisão nas minhas mãos, por favor.

- Tudo bem, já podemos terminar a consulta aqui por hoje – Ela disse fazendo umas anotações e eu fiquei a encarando esperando alguma decisão – Não me olha desse jeito, eu preciso pensar ainda.

- ok. – Respondi frustrada por não ter uma resposta clara.

Depois de sair da sala, caminhei em passos calmos até meu quarto, onde eu sabia que ficaria o resto da tarde lendo um livro ou pensando no que ela havia acabado de me falar e tentando pensar em um jeito de não me afundar mais. No momento em que cheguei no quarto vi Amanda arrumando suas poucas coisas, hoje ela teria alta e estaria livre deste lugar.

- Quer ajuda? – Perguntei me aproximando e sentando na minha cama.

- Não tem muita coisa, então não precisa, obrigada – Respondeu e eu apenas concordei – Não te conheço muito bem, mas essa sua cara não parece ser de alguém que recebeu uma boa notícia.

- Eu na verdade não sei avaliar se foi uma notícia boa ou ruim– disse e ela me pareceu intrigada – talvez eu saia nessa sexta daqui e...

- E você deveria estar comemorando, não vai mais precisar comer essas comidas ruins que você tem comido há semanas – ela me interrompeu.

- Tudo bem, mas a questão é que eu não sei bem quem são meus "amigos", como eu devo recomeçar, como vai ser voltar para minha casa e não ter meus pais, se eu devo ir para faculdade ou se eu devo trabalhar, tudo me parece estar tão confuso.

- Se alguma coisa não te dá medo, é porque não vai te transformar – disse simples – nós mesmos damos os nós na nossa própria corda, mas isso não significa que precisamos parar de dar nós e nem os desamarrar, tudo no seu tempo, entende?

- Confuso, mas acho que entendi.

- Amélia? – Uma voz masculina me chamou e rapidamente me virei para ver quem era, me deparei com um garoto branco, com mais ou menos 1,70 de altura, cabelos castanhos e olhos que naquele momento aparentavam ser da mesma cor.

- Desculpa, eu te conheço? – Perguntei envergonhada ele  e senti um desapontamento preencher seu rosto no momento em que eu fiz aquela pergunta. Me senti culpada, mesmo me esforçando para tentar lembrar de alguma coisa, não conseguia, então quem seria ele? 

 Me senti culpada, mesmo me esforçando para tentar lembrar de alguma coisa, não conseguia, então quem seria ele? 

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