Nos trilhos.

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Respirei cansada. Eu não iria consegui ajudar tão cedo minha vó. Teria que aguentar mais um tempo ver as dívidas crescendo, ver minha vó chegando tarde e saindo cedo. Tudo por minha causa. Tudo por causa do acidente.

Essa talvez fosse a gora de sair correndo e chorando.

- Não liga para ela – Ouvi uma voz masculina grave dizer na direção oposta à minha e eu olhei para lá – Sou Tony, o dono daqui. – O cara barbado disse - Você falou que a Kiara te mandou aqui, certo?

- Sim – Falei tentando transparecer que estava segura.

- Vem. Vamos conversar na minha sala. – Falou abrindo a porta atrás dele me fazendo caminhar hesitante em sua direção. Entrando na sala dele o ar ainda cheirava forte a cerveja, tinha os mesmos tons marrons do lado de fora tanto em sua mesa como em suas cadeiras, a única diferença era que era uma estante com fotos e livros.

- Pode se sentar. – Falou sério. Ainda calada fiz o que ele havia pedido – Está aqui pela vaga de garçonete?

- Sim, estou interessada pelo trabalho – Respondi começando a me arrepender de ter decidido vir hoje sem nenhum preparo. Maldito momento em que decidi seguir meus pensamentos.

Durante a entrevista ele me fez algumas perguntas, porém não muitas, algumas envolviam a minha idade e o porquê de eu querer trabalhar ali. Minhas respostas não foram das melhores, eram em sua grande maioria vagas.

- Tudo bem – falou depois de eu responder a última pergunta e me encarou com uma expressão que na minha opinião era ambígua. Não era possível entender se ele havia gostado já que seus olhos me passavam frieza, porém seus lábios carregavam um sorriso amigável.

- Eu fico esperando a resposta então – Sugeri. Pensei que ele não tinha se decidido até o momento e precisasse de um tempo para pensar.

- Você precisa só ser mais amigável, receptiva – Sugeriu ignorando o que eu havia falado anteriormente e levei minha atenção para suas palavras – Tirando isso tudo se encaixa no que eu quero – nesse momento me senti enojada com suas palavras, ele pronunciou a frase com tanta naturalidade que pensei que estava falando de uma mercadoria, não de mim e então continuou – Esse é o uniforme, você começa amanhã.

- Certo – Falei pegando de sua mão as roupas e as encarei – Eu não uso roupas assim.

- Engraçado, achei que queria o emprego – Respondeu ao comentário com ironia. Eu foquei meus pensamentos na minha vó e me mantive calada, não estava em posição de xingar outra pessoa no mesmo dia. E, afinal. Isso seria temporário. – Foi bom fazer negócios com você.

E eu continuei calada, mas mantendo uma postura que não fosse agressiva. Me preparei para sair da sala e antes de sair me despedi agradecendo pela oportunidade, mesmo que naquele momento os comentários dele e a roupa curta que eu teria de vestir seis vezes por noite me deixavam aflita. Antes de me retirar do local recebi um olhar impetuoso da garota.

Durante todo percurso do centro para casa peguei meus fones e ouvi algumas músicas da banda que Luca havia dito que eu morria de amores, era estranha a sensação de não ter todas lembranças sobre meu passado e precisar de alguém para lembrar, mas não posso negar, cada verso e melodia que tocavam meus ouvidos me abraçavam de uma forma que me fez entender e confiar, que tudo o que ele havia dito para mim era verdade. E pela primeira vez naquele dia, consegui me sentir relativamente bem.

Ao chegar em casa ouvi algumas risadas altas vindas do quintal, onde eu estava pela manhã. Me aproximei de onde as risadas vinham e vi que eram as amigas da minha vó e a mesma, estavam tomando um chá.

- Onde você estava? – Minha vó perguntou ao me ver. As atenções das outras duas mulheres na mesa se voltaram para mim. Antes de responder as cumprimentei.

- Fui no centro. Podemos conversar depois? É que eu estou um pouco cansada, queria tomar um banho antes - e fiz um gesto com o corpo que mostrava cansaço, foi mais um drama, mas como ela me conhecia já sabia disso. No fim ela assentiu voltando a conversar com suas amigas.

Subi as escadas e caminhei com rapidez até meu quarto me jogando na cama. Soltei um longo suspiro, esse dia foi cheio de informações novas para mim. Segurei na minha frente meu uniforme e comecei analisa-lo. Decidi vestir para ver como ficava no meu corpo.

E foi como eu imaginava. Ele se assemelhava com um uniforme de líder de torcida, por causa do tema do bar, que era futebol americano. No meu corpo ficava modelado, a saia era curta, mas apesar disso conseguia ser de certa forma mais confortável do que pensava, apesar disso não era confortável no que se diz para mim mostrar meu corpo. Algumas cicatrizes me traziam insegurança e medo, em especial uma nas minhas costas, ela ficava aparente já que a mini blusa não a cobria por completo. Olhar para ela me levava de novo para o acidente.

- Amélia elas já... – Minha vó entrou no quarto sem bater e parou de falar ao me ver usando essa roupa – Não entendi. – Eu teria dado risada disso se não tivesse levado um susto com sua entrada.

- Uniforme do meu trabalho.

- O que?! Quando você decidiu fazer isso? E além, arrumar um emprego com esse tipo de uniforme? – Perguntou perplexa.

- Quando um cara falou que ia desligar a luz aqui de casa se a gente não pagasse as contas atrasadas – Pronunciei sendo breve.

- Eu não quero que você comece a fazer essas coisas por minha causa.

- Não vou ficar parada vendo você quase se matar de trabalhar para me sustentar e pagar contas. As do hospital nem chegaram e nós já estamos encrencadas. Me deixa te ajudar nesse começo, depois nós resolvemos o resto.

- Tudo bem – Falou e eu consegui soltar o ar – Mas eu ainda não aprovo esse uniforme.

- Nem eu. – E ela tirou do seu rosto um olhar sério para um divertido depois do meu comentário – Vou me cuidar, não precisa se preocupar.

Ela assentiu saindo. Passei o resto do dia deitada assistindo filmes e imaginando o que aconteceria nos próximos dias. Internamente eu estou confusa e sem saber o que fazer, talvez esse emprego me dê uma direção, ou talvez ele me deixe ainda mais perdida. O que me resta é esperar que tudo se encaixe sem pressa.

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