Você não pode ir para o inferno sendo um boca virgem

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Harley estava tomando banho e cantando uma música brega sobre um cara que havia sido traído, e como a voz dele não era nada boa, Nicolas estava com os ouvidos tampados, esparramado no chão do quarto pensando que três dias já tinham se passado e ele não havia tido progresso algum. Tudo bem que os céus lhe deram seis meses, mas achava que aquele garoto precisava de umas seis reencarnações para se tornar uma pessoa bondosa.

Foi então que viu algo debaixo da cama e se arrastou até lá para ver melhor do que se tratava. Ele esticou o braço e puxou de lá três revistas, que o fizeram arregalar os olhos assim que viu as capas.

- Oh, então ele gosta desse tipo de coisa? – olhou para a mulher seminua na capa e suspirou, começando a folheá-la despreocupadamente.

Harley saiu do banheiro uns cinco minutos depois e encontrou o ceifador sentado no chão cercado pelas revistas. Ele deu um salto e arrancou a revista da mão dele o mais rápido que conseguiu, suas bochechas um tanto coradas.

- Onde você pegou isso? – perguntou sem jeito.

- Debaixo da sua cama – o ceifador deu de ombros.

- Você não devia ficar olhando essas coisas.

- Por quê?

- Porque você é... Muito novo pra isso – respondeu sem graça.

- Eu não sou, eu já te disse que cronologicamente tenho 32 anos – ele explicou algo que era óbvio para ele – Eu sou mais velho que você.

- Mas você morreu com 17, então você ainda é menor de idade.

- E você tinha 3 anos quando eu morri – Nicolas resmungou e arrancou a revista da mão do garoto – Sendo assim eu posso ver o que eu quiser.

- Como que você é tão bom em matemática? – Harley tentou fazer as contas nos dedos e se enrolou todo.

O ceifador murmurou um "você que é uma porta", mas achou melhor que o garoto não tivesse ouvido. Ele então deu mais uma folheada nas páginas, tentando descobrir o que ele via de interessante naqueles corpos femininos nus.

- Então você gosta dessas revistas... É surpreendente – o garoto se deu por vencido e começou a secar o cabelo com a toalha.

- Eu não – o ceifador respondeu – Estou tentando descobrir por que você acha isso interessante.

- Qual é – Harley riu, mas suas bochechas ainda estavam coradas – São mulher gostosas sem roupa... Todo adolescente gosta disso, tenho certeza que você via esse tipo de coisa, já que até mesmo o Dylan que tem 16 sempre vê essas revistas escondido.

- Eu não via essas coisas – Nicolas suspirou e fechou a revista, largando-a no chão como se fosse muito desinteressante.

- Ah, tá bom – o outro riu de novo, mas o ceifador estava tão sério diante dele que ele começou a acreditar naquilo – Você morreu com 17 anos, por mais que tenha esse rosto infantil, aposto que namorou bastante e tudo o mais.

- Não – Nicolas respondeu um tanto sem graça e desviou os olhos dos dele – Eu não fiz nada dessas coisas.

- Nem mesmo uns beijinhos? – o garoto o provocou, mas recebeu outro não como resposta – Qual é, você era um santo ou algo assim?

O ceifador apoiou o rosto nos joelhos e não disse nada, tampouco olhou para ele. Agora tinha se arrependido amargamente de ter pegado aquelas revistas porque aquele era um assunto que ele não queria falar com ninguém, ainda mais com aquele garoto debochado. O seu passado era algo que ele tentava enterrar o máximo que conseguia, mas sempre era aterrorizado por ele quando menos esperava.

- Você não pode ir para o inferno sendo um boca virgem – Harley concluiu algo muito absurdo do silêncio dele e o ceifador até ergueu o rosto para encará-lo – Precisamos te arranjar uma namorada.

- Quê? – Nicolas achou que tinha ouvido a coisa mais sem noção de toda a sua existência – Eu sou invisível, lembra? Só você pode me ver.

- Fantasmas podem te ver, não podem? – o garoto revidou – Podemos te arranjar uma namorada fantasma.

- Certo... Assim como essa garota que está parada atrás de você?

Harley deu um grito e saltou nos braços do ceifador assim que ouviu aquelas palavras, fazendo com que ele tivesse uma crise de riso incontrolável. Aquele homem enorme que sempre fazia pose de machão estava agora agarrado nele com a expressão mais aterrorizada no rosto e o ceifador não podia acreditar que algo tão inesperado pudesse ter se desenrolado graças a aquela piada.

- Para de rir – ele resmungou – Eu morro de medo de fantasmas.

Nicolas continuava rindo e o garoto quis dar uns tapas nele.

- Sério, tem uma garota mesmo aqui no meu quarto? – insistiu.

- Não só ela – o outro disse quando finalmente conseguiu parar de rir – Tem dois caras que dormem ali do outro lado do seu quarto, por que você acha que eu durmo nesse canto?

Harley deu outro grito ao ouvir aquilo e começou a choramingar, agarrado ainda mais nos braços do ceifador. Nicolas não sabia se ria ou se ficava surpreso porque ele estava mesmo sendo abraçado com muita força. Quando já havia passado uns cinco minutos e o garoto ainda estava com o rosto escondido no terno dele, o ceifador decidiu contar a verdade.

- Era brincadeira, ok? Não tem fantasma nenhum no seu quarto.

- Eu não acredito em você – ele resmungou – Você vai ter que dormir comigo na cama essa noite, não posso dormir sozinho.

Nicolas arregalou os olhos com aquela proposta e se afastou depressa, dando um empurrão no garoto. Harley já tinha notado que o ceifador não havia tocado nele nenhuma vez, mas agora ele estava ainda mais frio e distante, como se tivesse medo dele. O garoto ficou extremamente confuso com aquela reação, já que não tinha dito nada demais, até porque vivia dividindo a cama com Sander e Dylan e nenhum deles jamais reclamou disso.

- Calma, eu não vou te agarrar nem nada do tipo – resmungou.

- Não tem nenhum fantasma no seu quarto – o ceifador reafirmou – Você pode dormir bem sozinho.

Nicolas virou o rosto na outra direção e tentou encerrar o assunto por ali mesmo, deixando o outro com a pulga atrás da orelha. O garoto levantou um tanto desconcertado e foi ajeitar o cabelo úmido no banheiro, pensando no que tinha acabado de acontecer. Dentre as coisas que tinha ouvido hoje, tinha tirado algumas conclusões:

Primeiro, Nicolas nunca havia namorado ou tido qualquer relacionamento quando estava vivo, isso podia significar que ele apenas não gostasse disso, mas também podia ser que ele vivesse em alguma situação que dificultava que ele pudesse vivenciar essas coisas.

Segundo, Nicolas não gostava de toques, abraços e ficava muito esquisito só de ter que dividir a cama com outra pessoa.

Terceiro, Nicolas havia morrido aos 17 anos, mas sua morte não foi uma morte normal. Ele havia feito algo que o mandaria direto para o inferno, mas teve a chance de se tornar um ceifador ao invés disso.

Harley olhou para o próprio reflexo no espelho do banheiro e suspirou, confuso. Até aquele momento, nunca tinha pensado afundo sobre isso, sobre quem aquele ceifador realmente era e o que ele havia feito para morrer em condições tão extremas. Por um segundo pensou que não devia se envolver, que não deveria gastar seu tempo com algo assim, já que tudo que precisava fazer era suportar sua presença ali até que ele fosse para o inferno. Mas havia algo dentro dele, algo que sentia que estava crescendo pouco a pouco a cada dia, uma curiosidade que não tinha antes, um interesse em conhecê-lo melhor, em entender a pessoa que ele tinha sido. A julgar pela forma como havia reagido antes, sabia que tão cedo não iria conseguir tirar aquela história dele, mas estava começando a ficar com medo de toda aquela situação.

Porque quanto mais ele se apegasse nele, mais difícil seria descobrir quem ele verdadeiramente era. 

Meu Querido CeifadorOnde histórias criam vida. Descubra agora