O falso machão

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Numa tarde de quinta-feira, Harley conseguiu escapar de seus amigos mais uma vez, inventando a desculpa de um compromisso familiar que ele tinha sido obrigado a ir, embora aquilo jamais rolasse na casa dele – afinal de contas seus pais nunca estavam presentes. A verdade é que desde que ouviu a história de como o ceifador morreu, sempre que pisava na casa abandonada se sentia mal ao olhar para o pilar onde aquele garoto da escola havia sido amarrado. Aquilo lembrava a ele de como Nicolas também havia sido amarrado e torturado até não ter mais vontade de viver. Ele tinha tentado parar de pensar sobre isso, mas vez ou outra as imagens mentais que havia criado lhe vinham em mente e o torturavam, quase como se tivesse sido ele quem fez aquelas coisas.

Ele também não tinha mais vontade de incomodar os outros, quer dizer... Às vezes não conseguia controlar o riso quando via Sander importunando alguém e então recebia olhares de reprovação do ceifador. Ele não sabia ao certo por que achava aquilo divertido, por que sentia prazer quando via alguém se dando mal, mas as palavras de Nicolas sempre lhe vinham em mente naqueles momentos: "Tudo o que me fizeram desde o primeiro dia foi doloroso e traumático e me fazia chorar em casa quando voltava da escola. Seus colegas devem se sentir da mesma forma". Ao pensar naquilo, ele meio que perdia a vontade de rir e seus dois amigos não conseguiam entender por que ele tinha mudado do nada.

Naquela tarde, ao invés de ir para casa, Harley sugeriu ao ceifador que eles fossem cumprir o primeiro desejo de sua lista, que era ir ao cinema. Ele ainda achava absurdo que Nicolas nunca tivesse feito isso no passado, como alguém podia ter vivido por 17 anos e nunca ter ido ao cinema? Então gostaria de poder leva-lo umas tantas vezes nesses meses que eles teriam juntos.

É claro que o ceifador ficou muito animado logo que ouviu aquela sugestão e foi o caminho inteiro até o cinema saltitando e cantarolando como se aquele fosse o dia mais feliz de sua vida. Às vezes, Harley olhava para ele e se perguntava se ele era mesmo um ceifador, porque em momentos como esse ele mais parecia um anjo.

Quando chegaram no cinema, Nicolas foi até a máquina de compra de ingressos e ficou olhando as sugestões de filmes que estavam sendo exibidos no horário da tarde. Enquanto isso, o ceifador estava andando de um lado para o outro olhando os cartazes de exibição, seus olhos até mesmo brilhavam de emoção.

- Então, o que você gostaria de assistir? – o garoto perguntou.

- Eu posso escolher? – ele saltitou de novo e abriu um largo sorriso.

- É claro que sim, você é quem escolhe o filme na sua primeira vez no cinema.

O ceifador então automaticamente apontou para o cartaz em sua frente e disse que era aquele o filme que ele queria ver. Harley arregalou os olhos e tentou confirmar se ele tinha certeza, já que aquele era um filme de terror dos bem assustadores.

- Tem certeza que você não quer ver esse outro? – apontou para uma animação sobre um cãozinho perdido.

- Não, eu amo filmes de terror mais do que tudo – o ceifador disse com segurança.

- Mas... Tem um cachorro... Eu amo cachorros – Harley se encolheu.

- Você está com medo?

- É claro que não.

- Eu devia ter adivinhado, você morre de medo de fantasmas – Nicolas riu – O falso machão.

- Eu não sou um falso machão – o garoto respondeu envergonhado – E eu não estou com medo. Vamos assistir isso.

Ele resmungou um tanto de coisas enquanto começava a fazer a compra na máquina e o ceifador se sentiu um pouco mal por ter debochado dos medos dele.

Meu Querido CeifadorOnde histórias criam vida. Descubra agora