prólogo

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Esse lado da cidade sempre é mais frio, pensei ao esfregar as mãos umas nas outras, tentando me aquecer no atrito das duas, sem sucesso. Senti meus cabelos ficarem úmidos devido à fina neblina que pairava sobre a ponte. As luzes da praça à frente eram pontos turvos, como estrelas que se escondem atrás de nuvens rasas. Meu sobretudo grafite, pesado, era o suficiente para que meu corpo longo e esguio não esfriasse demais. O cheiro dos espetinhos alcançou minhas narinas, não aguento mais esperar eles.

— Aish, que demora... – deixei escapar, percebendo que meus óculos começaram a acumular gotículas de água, devido a neblina. Eu odeio sair nesse tempo, mas como mais velho, me vi no lugar de proteger esses dois. Que vieram saltitando, contentes, com as bochechas estufadas cheias de comida. – Finalmente, seus capetas

— Jin-hyung, está bravinho? – Taehyung com aquele tom de voz sacana me apertou a bochecha e eu fiz uma cara feia ao perceber que seus dedos estavam gordurosos. Limpei rapidamente e o encarei. – Escolhi os espetos de porco, estão muito bons

Aquele rapaz é uma peça rara. Com seus cabelos escuros jogados nos olhos, maxilar bem definido, sorriso quadrado feito um bloquinho de Tetris, agora ele estava alto e forte, diferente do moleque que havia conhecido anos atrás. Já Jeon Jeongguk, que se ocupava devorando seu espeto de frango com pimentões tostados, estava demorando para amadurecer, na personalidade e no rosto. Seu corpo extremamente esculpido por gregos era absurdamente bonito, mas o rosto de um fedelho de quinze anos, mesmo que agora seja um universitário.

Era meu terceiro semestre na universidade, o campus já estava cansado de ver minha cara, mas esses dois são calouros e eu preciso cuidar de cada um antes das aulas começarem. Aqui, nessa universidade, as pessoas não respeitam alguns limites e praticam trotes até com quem não quer participar. Devo confessar, cuidar de Kim Taehyung não é nenhum esforço, mas Jeongguk é arrumar problema.

— Seokjin – Jeongguk começou a falar, novamente sem me respeitar, de boca cheia e gesticulando, nunca me olha nos olhos, pois sempre parece estar aéreo. É um rapaz muito bonito, mas com uma puta cara de retardado. – Você não me explicou porque a gente não pode atravessar a ponte

Olhei para o outro lado da ponte. Não dá para ver seu fim à noite, mas de dia sim. Era uma ponte comum, que ajudava a passar por cima do mangue. Do outro lado havia algo parecido com um pântano, mas frio e incômodo.

— Primeiramente, já te avisei para me chamar de hyung – o adverti, mas não o bati como fazia com Taehyung, pois Jeon tem braços fortes e um tapa dele é muito doloroso. – Segundo, porque lá não tem nada de interessante além de muitas histórias tenebrosas e casas abandonadas...

Taehyung terminou de comer sua carne em dois segundos, enfiando quase tudo na boca, sem nenhuma dificuldade. Chocado com aquilo, apenas engoli seco esperando que ele não engasgasse. E depois de mastigar, ele engoliu e sorriu satisfeito, jogando o espeto no lixo pendurado na ponte. E foi a cara mais adorável que eu já vi na vida, o filho da mãe é a coisa mais linda.

— Não acredito em fantasmas, Seokjin – disse e eu o encarei — ...hyung

— Eu acredito e passo longe daquele lugar, credo – senti um arrepio ao encarar o fundo da neblina, novamente. Então, começamos a andar para irmos embora, finalmente, pois eu não aguentava mais ficar ali. Devidamente agasalhados, caminhando pela rua, passamos por algumas barraquinhas de comida e alguns universitários que jantavam. Senti os olhos de Taehyung sobre mim várias vezes durante a noite, mas eu nunca sabia se eram de admiração ou de desejo. A própria cara dele, séria, já é complicada de se interpretar.

A praça não é muito longe da universidade, mas é uma eternidade até a nossa república. Batizada como Nightingale, a antiga – e enorme — casa estilo hanok, estava à venda já fazia alguns meses, mas enquanto isso, moramos lá, pois é nossa república, certo? Ninguém queria comprar o hanok, pois achavam antiquado e muito longe do campus, mas nada que dez minutos de bicicleta até a universidade não resolvam para mim.

Era uma noite agradável, apesar da neblina e o tempo frio. Jeongguk cantou o caminho inteiro até a casa me fazendo perceber que aquele pentelho parece ter engolido um arcanjo, pois sua voz é maravilhosa.

Ao virarmos a rua, vimos algumas luzes diferentes e uma movimentação suspeita. Nossa casa ficava no topo de um morro de pequena elevação, passando por uma rua estreita de apenas uma via. Na entrada dessa rua, estavam nossos vizinhos e dela vinha uma luz vermelha e azul, piscantes. Os olhos de Taehyung ficaram maiores do que o normal e os dois mais jovens correram na frente, curiosos. Naquela rua só têm a nossa casa ocupada.

— Hyung, venha!

Apressei meu passo ao ver que todos pareciam chocados e fofocavam intensamente. De repente, a minha rua, saiu uma maca, acompanhada de dois homens vestidos com roupas de paramédicos, mas eles não tinham pressa, quem quer que fosse dentro daquele lençol já estava morto. E eu não consegui assimilar, por dois segundos, que só poderia ser alguém da Rouxinol.

Só poderia ser...

Tentando conter meu desespero, apressei meu passo, esbarrei em algumas pessoas, chegando perto da ambulância, que tinha suas portas abertas. Ao colocarem o corpo dentro, a mão do morto caiu, pendurada para fora da maca, pude ver, sem dificuldade, mesmo com as gotículas de água, uma mão com uma rosa tatuada.

— Ah não... – deixei escapar e nem os toques dos meus maknaes me fizeram acordar daquele foço de pensamentos. – Hyuk...

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A CASA ROUXINOL | jikook Onde histórias criam vida. Descubra agora