Twenty seven

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Xxx Boa tarde? Seguimos hehe!

Ludmilla Pov

-Você vai me contar tudo! – exclamei, assim que pus meus olhos em Marcos na manhã de segunda-feira. Seu sorriso de orelha a orelha denunciava que as coisas com Coyote excederam expectativas, o que só rasgava meu rosto num sorriso igual ou até maior que o dele.
- Claro que vou, você acha que eu aguento guardar tudo só pra mim? – ele riu, me abraçando quando cheguei perto dele. – Acho que nunca estive tão feliz!
- Como é bom ouvir isso! – sorri sincera, retribuindo seu abraço. – Eu sei bem o quão chateados vocês dois ficaram quando tiveram que se separar.
- O que não vai acontecer de novo tão cedo! – ele disse, desfazendo o abraço e me olhando com uma animação enorme. – Ele me disse que a família vai voltar pra Miami, parece que precisam mais do pai dele na filial daqui, por ser bem maior que a de NY e tudo o mais... Resumindo, tudo vai voltar a ser como era antes!
- Então vocês voltaram, é isso? – perguntei, antes de comemorar de verdade, e ele assentiu, mal conseguindo sustentar o tamanho de seu sorriso.
- Ele até vai passar aqui hoje na saída pra me levar pra conhecer seu apartamento novo! – Soraia guinchou, quando eu o abracei outra vez. – E disse que tá morrendo de saudade de você também.
- Ah, que bom que aquele viadinho não se esqueceu de mim! – eu ri, me afastando e recebendo um beliscão dele, mas logo meu sorriso se desfez quando meus olhos encontraram um casaco verde musgo chegando à escola. Meu coração revirou dentro do peito, meu estômago se contorceu de nervoso, minha respiração falhou, tudo ao mesmo tempo. Além de todos aqueles sentimentos que sua ligação me causara na noite passada voltarem com o triplo de intensidade, havia outro pulsando com eles. Saudade. Muita saudade.
- Pelo visto, ela já voltou ao normal. – Marcos comentou, acompanhando-a com o olhar também conforme ela se aproximava cada vez mais. – Quer dizer, pelo menos ela não está mais rosa.
- É. – respondi vagamente, sorrindo assim que os olhos castanhos dela encontraram os meus, e me segurei muito pra não correr até ela e me enterrar em seu abraço. Provavelmente, para chorar até desidratar, se eu pudesse.
- Muito bom dia, meninas! – Pepa disse, passando por nós e estendendo ainda mais seu sorriso ao se aproximar. – Te vejo no intervalo, Oliveira?
- Claro. – murmurei, sorrindo fraco, e ela assentiu discretamente antes de entrar no prédio.
- Suas pervertidas. – Marcos riu, e eu só não lhe dei um soquinho no braço porque estava perturbada demais. – Ficam combinando suas rapidinhas na minha frente, eca.
Suspirei, lutando para voltar ao meu estado controlado, e engoli toda a maré de sentimentos que havia me preenchido.
- Cala a boca. – falei, fingindo indiferença e pensando em qualquer meio de mudar de assunto. – Quer mesmo que eu mencione o dia em que ajudei o Coyote a escolher sua fantasia de Marilyn Monroe para comemorar os dois anos de namoro?
Ele sempre ficava roxo de vergonha e desistia imediatamente de caçoar de mim toda vez que eu citava esse fato. E foi exatamente por isso que eu o citei.
- Sua idiota! – uma voz esganiçada gritou, vinda da sala dos professores, e nós nos viramos rapidamente, assim como o resto dos alunos no pátio, para ver o que estava acontecendo. Não sei por que me surpreendi ao ver Caio Duarte batendo com sua mochila em Brunna, e seguindo-a conforme ela caminhava tranquilamente até a entrada do bloco, parecendo alheia a qualquer agressão.
- Você vai me pagar por isso, ouviu bem? – ele esbravejava, vermelho de raiva e com os olhos prestes a saltar de suas órbitas. - Eu ainda vou fazer você se arrepender de ter nascido, sua imbecíl! Eu te odeio! Odeio!
- Oi, Oliveira. – Brunna disse calmamente ao passar por mim, como se fosse absolutamente normal ela me cumprimentar, e ainda por cima, com um babaca nervosinho em seu encalço.
- O... Oi. – gaguejei, completamente surpresa e atordoada, pelo fato de Brunna ter falado comigo tão espontaneamente, e porque seu casaco de moletom azul, sua calça jeans justa e seu coturno, ambos pretos, me deixaram um pouco desnorteada. Seus olhos estavam cobertos por um Ray Ban que parecia ter sido meticulosamente desenhado para estar em seu rosto (provavelmente para disfarçar suas olheiras, as quais eu também ocultei com um pouco de maquiagem), e ela fazia umas caretas de vez em quando, como se o Duarte estivesse atirando sua mochila bem nos locais doloridos devido à sua queda de minha janela.
Ao ouvi-la me cumprimentar, Caio paralisou na minha frente, enquanto ela continuou seu trajeto, e me encarou com indignação, voltando a correr atrás dela e a espancá-la com sua mochila. Digamos que o alvo de sua ira havia mudado um pouco, passando a envolver a *piranha da Oliveira em seus argumentos.
- OK, vamos ver se eu entendi. – Marcos falou, observando-a se afastar e levar a gritaria ambulante consigo. – Brunna Gonçalves acabou de te cumprimentar ou eu estou ficando louco? Quer dizer... O que exatamente eu perdi?
- Nada, oras. – dei de ombros, como se não a tivesse visto há cerca de vinte e quatro horas (nua). – Você sabe que ela é doida, deve ter cheirado gatinhos demais e decidiu me dar oi assim, do nada.
Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado, e eu mantive minha expressão inocente, até que ele se deu por convencido.
- Tô de olho em você, viu, Oliveira? – ela avisou, e o sinal tocou logo em seguida, abafando meu riso um pouco tenso. Ter Marcos Araújo, a reencarnação de Sherlock Holmes, na minha cola não era exatamente um fator tranquilizante.
As três primeiras aulas passaram mais rápido que o esperado, e quando me dei conta disso, já estava caminhando rumo ao pátio para o intervalo. Meu coração começou a bater descompassado ao me lembrar do que havia combinado para aquele momento, e meus olhos procuravam por Pepa no meio da bagunça de gente, apreensivos e temerosos. Eu queria muito vê-la, mas ao mesmo tempo, desejava poder me manter trancada no banheiro até o sinal tocar e eu ter que retornar à classe.
- Lá vai ela tirar o atraso. – Marcos murmurou ao notar meu jeito tenso, e eu mostrei a língua, forjando um bom humor muito fajuto. Mal sabia ele que atraso sexual era a última coisa da qual eu sofreria enquanto Brunna existisse, mas eu preferia me manter bem longe de pensamentos como esse.
Descemos as escadas com o fluxo de alunos, e assim que chegamos ao primeiro andar, vi Pepa parada ao lado do bebedouro, cumprimentando alguns idiotas do segundo ano que passaram. Ela sorriu assim que me viu, e eu não pude evitar fazer o mesmo. Olhei rapidamente para Marcos, recebendo um sorriso de incentivo dele, e fui até o banheiro feminino, que ficava ao lado do bebedouro, só para despistar o resto dos alunos. Fiquei me olhando no espelho por algum tempo, mal conseguindo disfarçar meu nervosismo ao forjar uma arrumada no cabelo, enquanto ela fingia amarrar os tênis demoradamente.
Em poucos segundos, o corredor e as escadas ficaram praticamente desertos, e ela assentiu para mim. Caminhamos depressa (aliás, ela me arrastou corredor abaixo porque minhas pernas estavam um pouco bambas e lentas em relação às dela) em direção à sala que sempre ficava vazia naquele andar àquele horário, e assim que nos trancamos dentro dela, senti Pepa envolver minha cintura com força num abraço apertado. Atirei meus braços ao redor de seu pescoço devagar, e fechei os olhos, torturada. Como um abraço podia ser tão bom e doloroso ao mesmo tempo?
- Oi! – ela murmurou, erguendo-me do chão e beijando a curva de meu pescoço demoradamente.
- Oi. – repeti, respirando fundo para encher meus pulmões com seu perfume e sentindo meu coração quase explodir de alegria, e ao mesmo tempo, de tristeza, por finalmente poder abraçá-la.
- Como é bom estar de volta. – Pepa sorriu, colocando-me no chão e pela primeira vez olhando em meus olhos sem ter que disfarçar seus verdadeiros sentimentos. – E é melhor ainda poder encostar em você de novo!
- Eu que o diga. – sorri o mais intensamente possível, segurando seu rosto com minhas mãos, e logo em seguida, nossos lábios colidiram com avidez, dando espaço para que nossas línguas se unissem, cheias de saudade. Não havia como definir aquele beijo; era um equilíbrio entre delicadeza e brutalidade, pressa e calma, amor e tesão, mas ao mesmo tempo, conseguia ser tudo isso junto. Preferi deixar o peso alucinante da culpa e do remorso de fora dessa definição; já não é novidade alguma que eu sou uma garota dividida entre o paraíso e o inferno.
Ela colocou as mãos por baixo de minha blusa, provocando arrepios em minha pele, e eu agarrei os cabelos de sua nuca instintivamente. Ficamos nos engolindo por uns bons minutos, repletos de mãos bobas, gemidos abafados e mordidinhas nos lábios, que após algum tempo, me fizeram esquecer parcialmente o mundo ao meu redor. Uma semana sem sentir os lábios de Pepa nos meus me fez realmente mal; minha mente, antes enevoada e escura, tornou-se menos densa e sombria, me permitindo sentir seu toque e suas carícias com um pouco mais de conforto. Quando tive que decidir entre respirar e sobreviver ou continuar beijando-a e morrer sufocada, me afastei dela, e apenas ficamos nos encarando, ofegantes demais para falar.
- Eu... Gostei disso. – ela disse alguns segundos depois, ainda sem fôlego e com uma expressão meio sonhadora, o que me fez sorrir fraco. – Podemos repetir de vez em quando?
- Claro. – falei, ofegante e ainda envolta naquela sensação levemente anestesiante, prensando seu corpo contra a parede com o meu e sentindo-a realmente empolgada com a sessão de amassos. – Só não precisa repetir a parte de ficarmos sem nos ver por mais de uma semana.
- Concordo plenamente. – Pepa riu, me roubando um selinho logo em seguida. – Se bem que estou começando a achar que essa distância me rendeu bons momentos. E se depender de mim, vai render muitos outros.
- Não pense que vai ser sempre assim... Se você sumir de novo, não vai me encontrar tão disposta quando voltar. – ameacei, cerrando os olhos e me sentindo mais leve e involuntariamente contagiada pela maldita atmosfera feliz que a rondava. – A quantidade de beijos que eu vou te dar não vai conseguir superar a de tapas.
Ela riu mais uma vez, jogando a cabeça pra trás por um momento, e eu não pude evitar rir junto, mesmo que a dor recomeçasse a surgir em meu peito, intensificando-se a cada segundo. Era sempre assim quando eu estava com ela, ficava difícil não sorrir por qualquer coisa, mesmo que por pouco tempo. Mesmo que eu tivesse todos os motivos do mundo para estar cortando os pulsos naquele exato momento.
- Eu não ligo de apanhar de você. – ela sorriu, erguendo as sobrancelhas num tom de superioridade. – Honestamente, seus tapas fazem cócegas.
Suas palavras foram seguidas de um estalo alto vindo da colisão entre a palma de minha mão e seu braço, e Pepa gemeu de dor, rindo ao mesmo tempo.
- Retire o que disse se não quiser que eu bata em outro lugar. – rosnei, ultrajada.
- Tá, tá, eu retiro! – ela riu, erguendo as mãos em sinal de rendição. – Seus tapas me massageiam... Melhorou?
- Vou ignorar essa adaptação. – falei com a voz grave, fuzilando-a com o olhar, e ela prendeu o riso, voltando a me abraçar pela cintura. – Olha que eu te castro, hein, Fernanda. Tiro todos os seus dedos.
- Ah, não faça isso, meu amor. – Pepa murmurou, sorrindo novamente, só que agora de um jeito carinhoso. – Você vai sentir falta. E eu também.
Engoli em seco ao ouvir suas palavras. A breve ausência da dor em meu coração praticamente já não existia mais, deixando-me frágil demais para aguentar aquele tipo de golpe. Meus olhos ameaçaram queimar, anunciando a produção de lágrimas, mas eu os contive, dando um sorriso fraco para Pepa.
- Tudo bem, eu te perdoo. – murmurei, desviando meus olhos dos dela para encarar a gola de sua blusa, com a qual meus dedos brincavam nervosamente. – Você mereceu.
- Não, eu não mereci. – ela disse, no mesmo tom que eu, acariciando meu rosto com as costas de sua mão, e sua voz soou tão profunda que eu tive que encará-la para entender o motivo daquilo. – Nada que eu tenha feito me daria merecimento suficiente para poder ver suas bochechas ficando vermelhinhas, exatamente como estão agora, e poder chamá-las de minhas... Assim como você inteira é.
Senti minha pele mais quente que a dela com seu toque suave em meu rosto, e a diferença de temperatura só aumentou depois de ouvi-la. Parecia que todos os meus órgãos estavam desmoronando, numa enxurrada veloz e nauseante até atingirem o chão, arrastando consigo todo e qualquer vestígio de força e autocontrole ao qual eu pudesse me prender. Seus olhos castanhos tão límpidos, transbordando sinceridade, logo ganharam um toque de preocupação, e de repente eu não conseguia enxergá-los mais. De repente, seus olhos eram apenas dois borrões coloridos em meio ao resto das manchas que eu via.
- Lud? o que foi? – sua voz sussurrou, num misto de surpresa e pânico exagerados, e logo em seguida, senti meu rosto molhado, assim como um soluço escapou por entre meus lábios. – Por que está chorando?
Então era isso. Era assim que uma pessoa podre se sentia. Era isso, e só isso, o que uma pessoa podre como eu conseguia fazer diante de toda a sujeira que guardava dentro de si. Ela chorava. Chorava como se não houvesse mais razão para respirar; agonizava diante de toda a pureza e bondade que existia naquele mundo no qual ela não conseguia mais se encaixar, humilhada por todo aquele amor que um dia lhe pertenceu por pura sorte. E que agora lhe parecia tudo, menos seu. Bastaria que meus dedos o tocassem para que aquele sentimento tão lindo se transformasse em cinzas. Bastaria que eu estendesse minhas mãos para alcançar seu maravilhoso brilho... Para imergi-lo em trevas.
- Por favor, Lud, não faz isso comigo! O que foi? Não se sente bem? – Pepa disparou, ficando absolutamente séria e segurando meu rosto com firmeza, enxugando minhas lágrimas com seus polegares. – O que tá acontecendo? Fala pra mim!
Me mantive por alguns segundos paralisada, somente chorando desesperadamente e deixando que pelo menos algumas gotas do oceano de dor e culpa que eu guardava dentro de mim escapassem por meus olhos. Sim, eu estava sendo fraca, e bem na frente de Pepa, mas eu não tinha mais forças para me conter. Ela me abraçou fortemente, prensando-me contra seu corpo, e eu involuntariamente a envolvi com meus braços, apertando-a como se nunca mais fosse poder fazer isso. E eu não deveria mesmo poder.
- Eu... Eu... Senti tanto a sua falta. – solucei, com o rosto enterrado em seu peito. Era uma mentira, mais uma, mas eu não era capaz de dizer o que minha consciência implorava para dizer. Vá embora, me machuque, me deixe para trás, eu não mereço você. Vá procurar alguém que seja digno de seu coração. Não, eu não conseguiria dizer aquilo. Minha mente me dizia que isso era o certo a fazer, repeli-la, mesmo que sem dizer toda a verdade. Ela não podia continuar sendo enganada, apunhalada pelas costas, e eu concordava plenamente com isso.
Mas meu coração parecia arder em chamas quando tais pensamentos me dominavam. Ele pulsava fortemente contra meus pulmões, ameaçando explodir diante de tamanho absurdo. Cada músculo de meu corpo doía ao imaginá-la longe de mim, sem poder tocá-la, abraçá-la, sentir a atmosfera contagiante de alegria que a cercava, sem poder enxergar através de suas íris sempre tão radiantes... Eu já não conseguia mais me lembrar de como era minha vida antes dela, do que eu fazia antes dela, em que eu pensava antes dela. Provavelmente, pensava nela, só que de maneira muito menos íntima que agora. O que só ajuda a comprovar o fato de que antes mesmo de ocupar um espaço tão grande na minha vida, ela já era parte de mim.
Como eu nunca fui boa em ouvir minha consciência, meu coração sempre acabava vencendo, falando mais alto e abafando os murmúrios de minha mente. E era por esse motivo que eu continuava abraçando-a com força, chorando contra seu peito e molhando sua camiseta. Eu precisava dela ao meu lado. Eu era egoísta, inescrupulosa demais para fazer a coisa certa e abrir mão dela. Eu a amava. Mesmo que houvesse outro amor crescendo a cada segundo dentro de mim, numa velocidade que eu jamais poderia imaginar ser possível.
- Awn, Lud. – Pepa suspirou ruidosamente, parecendo bastante aliviada, e eu pude sentir seus músculos relaxarem um pouco. – Eu também estava com saudade, mas... Não precisava me assustar desse jeito! Quer me matar do coração, é, linda?
Sua voz não era de repreensão, e sim, de alívio. Com esforço, contive o choro, enxugando minhas lágrimas rapidamente, e voltei a encará-la, sentindo-me trêmula e tonta.
- Me desculpa. – soprei, tentando secar as manchas de minhas lágrimas em sua blusa, sem o menor sucesso, para evitar contato visual. – Eu acho que estou um pouco... Sensível demais.
- Tudo bem, amor, eu entendo. – ela sorriu docemente, enxugando uma última lágrima teimosa de minha bochecha. – Não se preocupe com isso.
O sinal tocou, indicando o fim do intervalo, e meu estômago revirou de leve em alívio. Pepa fez uma careta mal educada, me fazendo sorrir fraco, e murmurou:
- Droga. Temos que ir.
- É. – funguei baixinho, fazendo a melhor cara de resignação que foi possível. – Mas tudo bem. Pelo menos matamos um pouco da saudade.
- Um pouco? Isso aqui não deu pra quase nada! – ela resmungou, emburrada. – Aliás, vinte minutos não são absolutamente nada... Vou propor intervalos de uma hora na próxima reunião de professores.
- Boa sorte. – sorri quase tristemente, achando sua carinha muito fofa. – Mas enquanto ela não chega, temos que nos conformar com vinte minutos.
- É, acho que temos. – Pepa murmurou, fazendo beicinho. - Posso pedir só mais um beijinho antes de irmos?
Ergui meus olhos ainda bastante úmidos e secretamente cheios de dor até os dela, e Pepa olhou fundo neles, como se tentasse ultrapassar a barreira misteriosa que eu havia construído para ocultar meus erros. Não sei o que ela viu em minhas íris; só sei que um sorriso lindo e discreto surgiu em seu rosto, e sem esperar resposta, ela venceu a distância restante entre nossos lábios, me levando para seu mundo feliz, que agora, me parecia simplesmente vazio.
E foi naquele mundo deserto e sem vida que minha mente finalmente foi capaz de enxergar todas as dúvidas que me preenchiam pela perspectiva certa, e tomou o controle sobre meu coração, impedindo-a de gritar por mais que a dor o dilacerasse.
Foi naquele momento, com os lábios de Pepa grudados aos meus, envolta em todo o seu carinho e amor, que eu finalmente tomei minha decisão.
Fui a primeira a cruzar a porta de minha classe, assim que o sinal indicou o fim da última aula, matemática, da qual eu não entendi absolutamente nada. Assim como não entendi nada de nenhuma outra aula, ou de qualquer outro acontecimento ao meu redor. Se eu dissesse que, durante o resto da manhã, escapei por pelo menos dois segundos do domínio extremamente possessivo de minha mente, onde estive mergulhada em seu ponto mais fundo, estaria mentindo. E nem precisei me forçar a fazer isso; meu inconsciente sabia muito bem que se permitisse um único instante de distração de meu foco, meu coração voltaria a me comandar, retomando o controle que agora era de minha razão. E eu não podia mais me permitir o direito da dúvida.
Desci rapidamente as escadas do prédio, aproveitando-me do fluxo ainda praticamente inexistente de pessoas por ali, e caminhei o mais rápido que pude até meus pés encontrarem os degraus que minha sanidade tanto temia. Subi-os com toda a agilidade que pude, já que minhas pernas se recusavam a colaborar e meu coração insistia em bater tão forte que parecia querer se libertar de meu peito, declarando sua irritação por ser ignorado. Andei com passos trêmulos até meu objetivo, sentindo meus pulmões expelirem todo o ar existente neles e trancarem suas portas para que mais oxigênio entrasse. Minha mente podia estar no controle, mas meu coração tinha suas formas de tentar me impedir de segui-la. E mesmo que parte de mim concordasse com ele e não quisesse fazer aquilo, a pouca sensatez que ainda me restava admitia que eu não podia mais adiar essa atitude se quisesse ter um pouco de paz.
Envolvi a gélida maçaneta de ferro com minha mão, apertando-a e tentando me manter calma e consciente. Respirei fundo, conseguindo fazer com que o mínimo de ar inflasse meus pulmões, e entrei no laboratório, sem nem me dar ao trabalho de pensar se ainda havia alguma turma tendo aula. Eu sabia que o único dia no qual o laboratório de biologia era usado durante o último tempo era no dia da aula de minha classe. Só me restava saber se quem eu procurava ainda estava lá.
O que não demorei a descobrir.
Meus olhos encontraram a forma dos ombros de Brunna assim que pisei no laboratório, e por um segundo, as ideias e palavras se perderam em minha mente, como pequenas gotas de chuva em um vendaval: insignificantes e ridiculamente fracas. Graças à minha entrada não exatamente silenciosa na sala, ela não hesitou em virar-se até seus olhos focalizarem os meus, e quando suas íris mel se conectaram às minhas, eu desejei poder ignorar por completo tudo que havia me levado até ali e apenas seguir o que meus sentimentos mandavam. Mas eu me contive, sentindo meu estômago revirar-se nervosamente em agonia, e evitei mergulhar demais em seus olhos. Perder meu foco, justamente agora que eu o tinha tão firmemente, naqueles buracos negros de suas pupilas era algo que definitivamente não deveria acontecer, mesmo que eu não estivesse completamente certa disso. Estava doendo demais para sequer pensar.
Sim, já estava doendo, mais do que eu imaginei que doeria. E eu sabia que a partir dali, por mais impossível que isso pudesse parecer, a dor só ficaria pior. Mas eu precisava dar um jeito na minha vida. Chega de desistir, chega de fraquezas. Era hora de agir feito gente grande.
Brunna analisou meu rosto rapidamente, recuperando-se da surpresa que havia moldado seus traços numa expressão discretamente feliz, e assim que viu os indícios de más notícias em meus olhos agoniados, suas sobrancelhas se franziram em desconfiança.
Seu olhar praticamente falava com o meu, mesmo que estivéssemos em absoluto silêncio. Ela havia entendido que eu não estava ali pra brincadeira; sabia que não precisava de palavras para me incentivar a falar.
E assim eu o fiz. Por mais que eu não o quisesse, eu falei as pequenas e breves palavras que partiriam meu coração ao meio num piscar de olhos.
- Vou ficar com Pepa... Não me procure mais.
Cada palavra parecia uma grande bola de espinhos saindo de minha garganta, lenta e dolorosamente, por mais depressa que eu as tivesse pronunciado. Lágrimas encheram meus olhos, impedindo-me de ver com clareza a expressão em seu rosto, e antes que uma delas pudesse cair, dei meia volta e corri para longe do laboratório, sentindo meu coração doer como se estivesse se autodestruindo.
Eu sabia que seria difícil fazê-lo sobreviver após perder uma de suas metades.
Só não imaginei que seria mais difícil ainda querer que ele sobrevivesse.

Secret Love - Brumilla Onde histórias criam vida. Descubra agora