Capítulo um ✨

13.9K 1K 1K
                                    

Josh Beauchamp

Olho para o relógio azul, em formato de coruja, que se encontra na parede oposta da sala, mais uma vez. Os ponteiros me dizem que são 10:00 horas da manhã. Bato os dedos na minha mesa em um ritmo sincronizado com a música que toca dentro de minha cabeça. O sol lá fora brilha e a luz solar consegue ultrapassar um pouco os enormes vidros da sala.

Olhando para o relógio novamente, penso que esse artefato é uma peça totalmente fora do baralho em nosso escritório de cores neutras.

Não o entendo. Realmente, não o entendo mesmo.

Depois, recaio meu olhar para a garota sentada na mesa em minha frente.

Ela está concentrada e franze suas sobrancelhas enquanto escreve em sua agenda cor de rosa.

Ela é outra carta fora do baralho aqui.

Solto uma risada contida com esse meu pensamento mesquinho.

Any me olha depois de alguns segundos e aperta seus olhos cor de chocolate em minha direção. Ficamos assim durante horas, ou pelo menos, era o que parecia para mim.

— Pergunta. — Ela diz do nada e meio alto, me assustando um pouco. Aposto que foi de propósito, consigo ver seus olhos brilharem por ter me assustado.

Suspiro e baixo meu olhar para a planilha aberta no meu computador.

— Manda aí —Respondo digitando. Esses relatórios não serão entregues sozinhos. A propósito, o porquê de Marie querer isso para daqui a vinte minutos, é algo que não faço idéia, sendo que já entreguei um parecido para ela a poucas horas atrás. Essa mulher gosta de me manter ocupado, só pode.

— Por que você está olhando tanto para o relógio hoje? Vai sair?

Any me pergunta.

— Está reparando em mim, senhorita Gabrielly? — Respondo sem fita-la, fazendo o meu melhor para me manter sério — Por que eu olhar para o relógio te interessaria?

Ela não diz nada por alguns segundos. Levanto os olhos e a vejo me encarando.

— Bem que você gostaria, né Beauchamp? Mas não, não me interessa. Era apenas curiosidade, deixa para lá. — Ela volta a rabiscar o que é que estivesse rabiscando naquela agenda.

Ela escreve demais.

Já tentei bisbilhotar o que ela tanto faz ali, mas não consegui.

O elevador faz um barulho e viro minha cabeça para lá, para ver quem nos perturba a essa hora da manhã.

Nosso setor fica no décimo quinto andar e eu e Any dividimos uma sala, infelizmente.

A porta quase sempre fica aberta, nos dando uma visão completa de quem entra e sai do andar.

Vejo o entregador entrar com uma caixinha de papelão e ele sorri para todos. Sua roupa amarela me cega um pouco. Qual é o nome dele mesmo? Chico? Fisco?

— Cisco! Que bom ver você! — Any exclama animada e se levanta cheio de sorrisos — Tem alguma coisa aí para mim?

Deixa eu contar algo sobre Any. Senhorita Gabrielly adora sorrir. Ela chega ao trabalho com a energia de uma criança de três anos, quase todo santo dia. Suas roupas coloridas me dão dor de cabeça.

Any não pode sair de casa se não estiver com algo chamativo nela. Nem que seja um brinco enorme de melancia ou uma faixa amarela neon na cabeça, qualquer coisa colorida, ela tem que usar sempre.

Sério!

Acho que é algo característico de gente do sul, do interior. Não sei. Alguma explicação tem que ter.

Trabalhamos no setor financeiro de uma famosa empresa a qual fabrica e vende, brinquedos para crianças. Mas, apesar disso, nosso setor é um lugar sério. Lidamos com o dinheiro aqui. Não é preciso vir todo colorido, animado e essas coisas que o pessoal do departamento de lojas precisa fazer. Lá eles lidam diretamente com as crianças, então é preciso ter cor e alegrar o bendito lugar. Tudo jogada de marketing! Aqui, felizmente, nenhuma pestinha pisa, então podemos ser formais. Mas, Any pensa diferente, ela só usa acessórios ou roupas coloridas, estranhas e isso me irrita profundamente. Isso e seus malditos sorrisos. Fala sério, quem sorri tanto assim a troco de nada?

Eu mesmo posso responder essa pergunta: ninguém, ninguém sorri assim. Só ela!

— Hoje não, minha querida! — Cisco responde com a voz manhosa, me trazendo para o presente a tempo de presenciar Any fazer um beicinho.

Que cena patética! Reviro os olhos e bufo irritado. Esse gesto atrai a atenção dos dois. Any olha pra mim com todo seu desdém e desprezo e eu retribuo.

— Josh, meu camarada, como anda as coisas? — Cisco me pergunta e eu desvio meu olhar de Any para ele com um pouco de relutância.

— Hã...normais?! — Respondo meio perguntando porque de verdade, não faço a mínima ideia do que falar.

— Conseguiu pegar aquela garota ontem a noite?

Quase engasgo.

O que? Como assim? Que pergunta é essa?

-— Você estava...

— Sim — Ele me interrompe — Estava lá com uns amigos e o vi. Não fui falar com você pra não interromper o flerte, claro. E aí? Conseguiu?

Mas que diachos, Cisco! Não te interessa!

— Sim.

Respondo derrotado, pois sei que ele não vai parar de me pertubar até eu responder.

— Isso aí garoto!

Ele levanta a mão animado e eu bato meio a contragosto. Any volta a sentar-se, claramente desinteressada na conversa estranha que eu estava tendo com nosso ilustre entregador.

Não a culpo!

Hoje ela veio de cabelo meio preso e meio solto, com uma blusa de super heróis e uma calça jeans preta que vai até a canela, meias roxas e um tênis que eu não entendo muito bem. Se ficarmos lado a lado, o contraste é nítido e gritante. Não só pela nossa cor de pele. Eu sou branco feito leite, falar nisso, preciso pegar uma corzinha, estou parecendo um papel com anemia. E Any Gabrielly é negra. Uma negra de pele clara, mas negra. Lembro quando ela fez questão de me explicar, como se eu fosse a porra de uma criança de cinco anos, certa vez quando a chamei de morena. Enfim, voltando ao nosso contraste. Eu sou todo formal e prático. Uso uma camisa social vinho, dobrada até o cotovelo e uma calça preta. E ela é toda...bem... toda colorida.

Nossa empresa não tem política de vestimentas e por esse motivo ela vem desse jeito. Deveria ter, vou mandar uma sugestão para o chefe em nossa próxima reunião.

—...aí depois do açúcar, você joga um pouco de mel a gosto e voilá, está pronto o seu doce! — Any dizia animada para Cisco, que prestava bastante atenção em suas palavras.

— Você sabe que essa expressão em francês significa "aqui está", não é? Não combina nem um pouco com a frase que você acabou de dizer.

Ela bate o dedo no queixo, pensativa e responde:

— Espera um segundo. Estou aqui tentando me lembrar quando foi que eu te perguntei alguma coisa.

Cisco solta uma risadinha.

Fuzilo Any com meu olhar e olho para seu pescoço. Tão pequeno. Minha mão caberia perfeitamente ali e um estrangulamento rápido seria um alívio para minha pobre alma.

Ah, desculpa! Vocês conseguiram notar, não é? Sim, a gente se odeia!

Contraste | beauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora