DOIS

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Uma pequena silhueta, pequena demais.

Uma criança.

Um vento forte sopra e a névoa se torna mais densa, tornando ainda mais difícil enxergar através dela.

Meu cérebro fica em alerta quando a sombra simplesmente desaparece e minha consciência entra em conflito entre fazer o que uma boa pessoa faria ou me entregar ao que a minha mente gritava para fazer, correr.

- Olá? – Digo, insegura. – Está tudo bem?!

A criança estica uma parte da cabeça apenas para poder me fitar. Estava escondida nas sombras, não dava para enxergar além de olhos negros. Ela não me respondia, se mantinha inerte com os seus grandes e redondos olhos grudados em mim.

Dei mais um passo em sua direção. Porém ela continuou escondida nas sombras, talvez por medo. Era tão pequenina

- Você está perdida? – Perguntei. Ela recuou outros dois passos. – Eu posso te ajudar, não precisa ter medo. Meu nome é Helena, e o seu?

Não havia uma única alma naquela estrada além de eu e ela. Já era tarde e eu duvidava muito que passasse alguém depois de mim. Esta era uma rua única que se estendia por quilômetros, a única via que ligava o nosso bairro antigo ao restante da cidade.

A criança perdida provavelmente pertencia ao lado da cidade, porque as únicas crianças que moravam ao redor da minha casa eram as da família Green e eles não eram nada tímidos, o resto dos moradores eram idosos, casais retraídos e bem, a minha família.

Era uma noite fria, a ponta do meu nariz estava virando picolé, assim como as pontas dos meus dedos quando os tirei de dentro dos bolsos da jaqueta preta que usava por cima do uniforme.

E por mais que eu me atrasasse ainda mais para chegar em casa e corresse o risco da minha mãe acionar a polícia, não poderia deixar a pequena. Ela provavelmente pegaria uma hipotermia e congelaria antes mesmo que eu ligasse do telefone fixo de casa para alguém buscá-la.

Me aproximo lentamente, com as palmas bem abertas para não representar perigo e acabar assustando-a.

Ouço passos pesados vindo de trás, a criança escondida desliza o olhar negro para algo além de mim e aos poucos vai saindo da sombra da árvore como se estivesse se sentindo mais segura agora.

Pelo canto dos olhos avisto um vulto se aproximar pelas minhas costas. Eu havia sentido a sua presença muito antes de vê-lo de relance. O cheiro acre no ar inconfundível de quando seres apreciam.

Este é preciso e veloz.

Tudo acontece tão rápido que antes que compreenda o que está acontecendo sou arremessada. Minha cabeça se choca contra alguma coisa sólida, e meu estômago protesta.

Só quando estou debruçada, sentindo a terra úmida debaixo das minhas mãos é que percebo que não estou mais na estrada, estou dentro da floresta. Alguém me lançou em direção a uma árvore.

Um gemido estridente de dor ressoa pelos meus ouvidos.

Meu
gemido.

Minha
dor.

Levo os dedos ao alto da cabeça que latejava progressivamente.

Está quente,
                      molhado,
                                        queimando.

Observo atentamente a minha mão tentando compreender o que aquele líquido vermelho significava.

S
a
n
g
u
e.

É o meu sangue reluzindo em meus dedos. Tento ajustar a visão, mas é algo que parece impossível. Sento-me com dificuldade, sentindo-me zonza.

Posso ouvir o meu coração batendo rapidamente dentro do meu peito. Algo dentro de mim gritava desesperadamente dizendo que estou em perigo. Tento não entrar em pânico, afinal de contas isso não me ajudaria em nada. Inspiro fundo e passo a mão no rosto para me livrar da lama fria.

Desejo ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora