CINQUENTA

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Abro os olhos, e por um segundo, naquele instante em que a inconsciência no seu estado mais puro cede o lugar a lucidez e a todas as lembranças que eu tentava esquecer, naquele exato momento, não estou assim tão destruída, tão miserável, porque em meus sonhos Duncan ainda está vivo, ele não poderia morrer lá, jamais poderia.

No entanto quando todos os meus sentidos voltam, o meu mundo violentamente se desfaz. Eu nunca havia perdido alguém que amava, e por estupidez ou quem sabe por vaidade, ousei pensar que jamais perderia.

Eram tantas coisas ruins que aconteceram em minha vida desde a infância que uma parte tola acreditou que por esse motivo, talvez já tivesse atingido a minha cota de sofrimento.

Hoje quando enxerguei o caixão do meu avô, não consegui chorar, nem mesmo quando ele foi coberto pela terra, separado deste mundo. Nem uma única lágrima escorreu dos meus olhos. Não quando acabaram se escondendo em algum lugar escuro e distante dentro de mim.

Eu sentia aflição, rancor, ódio. Um desejo desesperador de vingança e destruição, e juntamente com todos esses sentimentos fiz uma promessa sob o túmulo do vovô. Kai e todos aqueles que de algum modo foram responsáveis pagariam pelo o que fizeram, mesmo que tivesse que enfrentar a própria morte para isso.

Eles pagariam.

Havia vozes ao meu redor, pessoas demais para o meu gosto, especialmente hoje que eu estava incomodada com todos. Não que houvesse um motivo para justificar essa minha cólera, estava irritada apenas pelo fato de que todas elas aqui estavam vivas enquanto o meu avô não, porém não estava irada com ninguém mais do que comigo mesma.

Isto porque eu sabia que mesmo que jamais quisesse, acabei tendo uma parcela de culpa pelo o que aconteceu.

Daniel estava indo para o St. Bárbara encontrar o meu avô naquela tarde, foi o que me disse no caminho ao hospital, antes de tudo acontecer, mas então ele sentiu que eu estava em perigo, na realidade ouviu a minha voz em sua mente, chamando-o. E foi só por isso voltou, para me salvar.

A vida do meu avô, pela a minha. Foi o que ouvi no lago aquela noite em que me afoguei, e deste então não consegui mais esquecer essas palavras. Nem mesmo as que o meu avô disse. Que eu tinha um irmão, Aidan era o seu nome, e se esse não fosse o mesmo nome do garoto que a minha mãe esteve procurando por todo esse tempo, se ele não fosse o motivo pelo o qual pagou um detetive, eu poderia duvidar disto, mas não.

Era real, sentia que sim, cada nervo do meu corpo podia confirmar isso. Porque ouvi essas palavras saírem da boca de Duncan, e apesar da surpresa era quase como se eu soubesse disso há muito, como se de algum modo lembrasse dele.

Mas como poderia... eu ter um irmão? Um do qual nunca ouvi, um do qual nunca imaginei. Como a ideia de alguém com o mesmo sangue que o meu andando por aí pudesse soar assim tão habitual aos meus ouvidos?

Nada daquilo fazia o menor sentido.

Eu estava frustrada e irritada. Porque cada maldito passo que dava em busca das minhas respostas, tudo o que acabava encontrando era mais e mais perguntas. Sentia como se toda a confusão nunca tivesse fim, e eu estivesse perdida em um círculo vicioso, eterno.

Muitos vieram falar comigo no final do enterro, dar os pêsames, oferecer ajuda, alguns até me disseram que essa dor eventualmente passaria desde que eu desse tempo ao tempo. Mas uma parte de mim sabia que isso não era verdade, eu tinha certeza que não. Essa dor pungente sob meu peito era algo que jamais passaria, não importa o tempo que passasse. Em meu coração, nas profundezas de quem sou, sabia que não encontraria paz alguma até que eu fizesse os responsáveis pagarem, um a um.

Havia uma fúria sobrenatural se apoderando do meu corpo, uma diferente de tudo que o que eu já experimentei. Um incêndio terrível que desejava destruir tudo ao redor, e uma parte minha queria ser consumida por ele também, pelas chamas da morte, como se a paz que eu buscasse só fosse ser efetivamente alcançada quando essas chamas ardentes me devorassem por inteira, e então eu não passasse de cinzas.

Desejo ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora