CINQUENTA E DOIS

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Durante toda a semana tentamos traduzir o diário, procuramos ajuda na internet, fiz minha inscrição em fóruns online, vasculhei por duas vezes seguidas a biblioteca municipal com a Sra. Lee, e nada.

Não encontramos nada.

Em sete dias apenas o que conseguimos foi identificar a qual sistema de classificação o idioma do diário faz parte, o Celta-Q, que de acordo com Google é um conjunto composto pelas línguas mais antigas no que se refere ao povo celta. E isso não deveria ser um problema porque Daniel disse ser fluente na maioria das línguas pertencentes ao grupo. No entanto, de acordo com ele, o idioma usado nestas palavras era ainda mais antigo do que pensávamos.

Ele pertencia a um pequeno povoado que foi extinto há muito tempo, e mesmo que Daniel efetivamente conseguisse traduzir algumas poucas palavras, de nada nos adiantava não sabermos todo o conteúdo.

Também descobri que apesar de ver algumas marcações do meu avô no diário, ele não foi escrito por Duncan, e tenho certeza que não. Em primeiro lugar porque a grafia não batia, e em segundo porque seja lá qual material usado para escrever nestas folhas amareladas, não era caneta, pelo menos não uma do século XXI.

O lado positivo nisto era que a busca sem fim me deixava ocupada, não só de corpo, mas de espírito também, e era somente isto que não me deixava afogar em um oceano de miséria e tristeza sem fim.

Eu estava completamente perdida em meus pensamentos, folheando o diário mais uma vez, a terceira só nas últimas vinte e quatro horas, observando os desenhos de monstros, estrelas e anjos grafitados, a maioria tão assustadores quanto poderiam parecer.

Na última página estava o desenho que estive encarando por praticamente quinze minutos, o desenho mais bizarro que eu já tinha visto.

O meu retrato.

O dono deste diário havia me desenhado ali, mas não era exatamente parecida com quem sou hoje, parecia uma versão mais velha, como se fosse uma Helena do futuro, e nela eu estava envolvida em chamas que não me queimavam, enquanto lutava contra um ser meio homem e meio dragão também envolvido em chamas, só que os traços usados para desenhar o fogo que ardia nele eram mais grossos e assustadores, repleto de rabiscos irregulares.

Meu coração martela vertiginosamente quando o vento sopra forte e fecha o diário de minhas mãos abruptamente, como se Duncan estivesse furioso comigo por algo tão importante estar à monstra.

Sentia como se de algum modo o espírito dele estivesse me alertando, implorando para que eu tivesse mais cuidado, mesmo que não entendesse exatamente o porquê.

Sobressaltada ao sentir a presença vívida e inconfundível de Daniel em meu quarto, meus olhos viajam rapidamente até a sombra vestida preto da cabeça aos pés. Ele estava imóvel ao lado da janela. Seu olhar sombrio encontra o meu, e mais uma vez aquela expressão está lá, como se Daniel estivesse apenas esperando o momento que tudo ao seu redor começasse a ruir.

Não.

Esperando não.

Era como se ele soubesse precisamente o que estava por vir, mesmo que se esforçasse ao máximo para não demonstrar para mim.

- Acho que estou quase me acostumando com você aparecendo desta maneira. – Eu comento, sorrindo. Ele não sorri, não que eu estivesse esperando um sorriso de volta. Mas também não imaginei que ele se aproximaria em um movimento tão ágil. Num segundo ele estava lá, do outro lado do quarto, e no outro, aqui. Perto o suficiente para que eu pudesse sentir o seu hálito ondular até a minha face. – O que...

- Nós temos que sair da cidade.

Pisco algumas vezes, levando alguns instantes a mais do que geralmente levaria para entender exatamente o quê estava sendo me dito.

Desejo ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora