QUARENTA E OITO

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Entro no estacionamento da escola, parando na vaga de sempre. No entanto eu continuo dentro do carro, com os limpadores de para-brisa indo de um lado para outro enquanto encaro atentamente o colégio através da garoa fina.

Sem perceber acabo pensando sobre a última vez que estive aqui na escola, quando Noskov – meu professor de literatura – tentou fazer comigo o que eu chamaria de picadinho de Lena Wheeler. E logo depois disso descobri que Calvin aparentemente era um anjo que me salvou e cuidou de mim no tempo em que fiquei desaparecida.

Era muito para digerir tão cedo da manhã. Então apenas sacudo a cabeça, afastando tais pensamentos antes que sugassem toda a minha energia. Quero dizer, apesar de toda a loucura que acontecia na minha vida, para bem ou para mal eu ainda era uma adolescente comum, ou ao menos gostava de pensar que sim, e como as provas do fim do bimestre estavam chegando, eu não poderia perder a cabeça antes disso.

- Está tudo bem, srta. Wheeler?

A professora me olha com aquele típico e cansativo entusiasmo de primeiro emprego, e eu me pergunto como era possível que ela já soubesse o meu nome.

Ah, é claro.

Ela havia acabado de nos entregar a prova que fizemos com Noskov semanas atrás, e talvez tivesse uma memória excelente.

- Você quer que eu repita a pergunta?

- Não. – Eu balancei a cabeça, pensando um pouco. – Acredito que o fantástico das obras de Poe, principalmente no conto O Gato Preto, reside precisamente na incerteza de transitar entre uma resposta ou outra. Ocorre sempre quando há um fenômeno incomum que pode ser explicado de duas maneiras, o natural e o sobrenatural.

- Então qual deles seria o certo? – Ela questiona.

- Nenhum, apenas aquele que você, como leitor, prefere acreditar.

- E como o autor nos instiga ao fantástico?

- Nesta obra ocorre de duas maneiras distintas, pode ser tanto por parte do personagem como por parte do leitor. Na primeira o personagem principal hesita, tendo dificuldade em aceitar fatos que são incoerentes com tudo aquilo que conhece, duvidando de si mesmo e daquilo que seus sentidos absorvem e na segunda o leitor é levado a dúvida através da própria narração, aos poucos ele se questiona sobre os eventos que acontecem na história que é narrada pelo personagem, incerto sobre a veracidade.

- Muito bem, Srta. Wheeler. Muito bem. – A professora sorri satisfeita, e voltando a atenção para o restante dos alunos da turma, continua. – A hesitação é característica fundamental nas obras fantásticas, uma vez que é a própria hesitação entre o real e o imaginário que dá vida ao gênero. É justamente essa incógnita se o que estamos vendo é real ou não que nos permite permear entre dois mundos completamente distintos.

A nova professora de literatura se chamava Tove Greene. Ela era muito mais jovem que Noskov ou qualquer outro professor que tínhamos aqui no MACK.

Ouvi que ela era uma recém formada vindo do litoral. E como este era o seu primeiro emprego estava tão empolgada que nem se importou com o fato de vir morar no fim do mundo ou ter mais da metade da classe completamente desinteressada no que ela tinha a oferecer.

Greene era loira e tinha os olhos mais azuis que eu já vi – bem, se contar com o cara assustador das lembranças de Hela, então não, porque daí a Srta. Greene ficava em segundo lugar.

Só de lembrar daquele homem os pelos do meu corpo se arrepiavam involuntariamente, então faço o possível para mantê-lo bem distante dos meus pensamentos. O mais afastado possível.

Apesar de ser nova na cidade, Greene parecia quase que combinar com a pacata Covey East. Num dia o nosso diretor percebeu que Noskov não voltaria mais e no outro aqui estava ela. Puf.

Desejo ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora