Alguém aceita um rosbife fatiado?

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Olá! Meu nome é Camila Cabello e eu nunca quis ter filhos.

Uma perguntinha básica para alguém como eu que esteja por aí: é só comigo ou você se sente no meio de um bizarro encontro dos Alcoólicos Anônimos quando alguém descobre que você nunca quis ter filhos? Será que eu deveria me levantar, cumprimentar respeitosamente a plateia e contar o que me levou ao sétimo círculo do inferno em que eu me vejo o tempo todo? É um circo dos horrores quando mulheres grávidas me pedem para tocar suas barrigas protuberantes e enveredam por discussões profundas sobre suas vaginas. Elas não compreendem que a palavra placenta e o termo "líquido amniótico" nunca deveriam ser usados na mesma frase. Nunca! Muito menos durante a pausa para o cafezinho da tarde.

O que me levou a essa certeza? O vídeo que minha turma assistiu na aula de biologia, na sexta série. Aquele famosão dos anos 70, que mostrava uma mulher gritando loucamente, como se estivesse sendo assassinada, suor em profusão lhe escorrendo pela cara enquanto o marido enxugava sua testa o tempo inteiro e dizia, todo carinhosinho, que ela estava indo muito bem. Vocês chegaram a assistir? De repente a câmera se afastava para a cena do crime que rolava entre as pernas dela: o sangue, o visco grudento, os coágulos grotescos e os pentelhos pornográficos em estilo arbusto sem poda, por onde uma cabeça minúscula e, argh, gosmenta se espremia para sair. Enquanto a maioria das garotas à minha volta dizia "Ohhhhh!" com ar embevecido, quando o bebê começava a chorar, eu revirava os olhos quase vomitando e perguntava baixinho: "Que porra é essa que atacou vocês? Isso NÃO é normal." 

Desde o instante em que eu assisti ao tal filme, meu lema virou: nunca vou ter filhos.

– E aí, Camila, o que você quer ser quando crescer?

– Nunca vou ter filhos.

– Camila, você já escolheu uma especialização?

– Nunca vou ter filhos.

– Quer suas batatas fritas com o quê?

– Nunca vou ter filhos.

É claro que sempre haverá gente na sua vida que acha que poderá fazer sua cabeça. Essas pessoas se casam, têm um bebê e então a convidam para visitá-las, na esperança de que você seja inundada por uma onda de emoção ao olhar pela primeira vez para o pequeno milagre que foi produzido. 

Para ser franca, tudo o que eu consigo é analisar a casa que elas não tiveram tempo de faxinar há mais de seis semanas, cheirar seus cabelos que parecem não ver xampu há quinze dias e perceber um olhar inquieto quando pergunto quando foi a última vez em que tiveram uma boa noite de sono. Ficam em êxtase a cada peido, sorriso ou golfada de vômito do bebê. Conseguem encaixar a palavra "cocô" em todas as conversas, e eu fico pensando comigo mesma que elas só podem estar completamente enlouquecidas.

E também existem aquelas pessoas que acreditam piamente que sua irreverência sobre o assunto é causada por algum segredo obscuro e profundo com o próprio útero, algo terrível que você tenta compensar com uma atitude pretensamente descontraída, e olham para você e para sua vagina com um ar de pena infinita. Depois, fazem fofoca pelas suas costas e tudo vira uma horrorosa brincadeira de "telefone sem fio", a partir da qual o mundo inteiro passa a acreditar que você tem um grave problema de fertilidade que ameaça sua vida, e que uma gravidez indesejada poderá fazer com que sua vagina desapareça numa reação de combustão espontânea e seu peito esquerdo despenque. 

Parem com essa insanidade! Todos os meus órgãos funcionam perfeitamente bem e, que eu saiba, não sofro da síndrome da vagina explosiva. A verdade nua e crua é que eu nunca me encantei nem um pouco com a ideia de expelir do meu corpo uma pessoinha que vai fazer com que minha vagina fique parecendo um rosbife fatiado para o qual nunca mais nenhum homem vai querer olhar, muito menos comer. Nunca considerei essa uma cena linda e brilhante. É simples assim.

MALICEOnde histórias criam vida. Descubra agora