Dedos de Snickers, dentes nos braços

815 105 47
                                    

Shawn

Tudo aconteceu em câmera lenta. Bem, pelo menos para mim pareceu desse jeito. Provavelmente porque a quantidade de álcool que eu já tinha consumido naquela noite havia digerido metade dos meus neurônios, e isso me fez sentir como se eu estivesse numa cena de Matrix.

Perguntei a mim mesmo se eu conseguiria me inclinar para trás, em pé sobre o banco elevado do bar, executando aqueles movimentos acrobáticos maneiríssimos, desviando de balas em câmera superlenta enquanto me mantinha suspenso em pleno ar, é claro. Precisaria vestir um daqueles casacões de couro preto; teria que passar gel nos cabelos e penteá-los para trás. Será que os técnicos tinham usado finíssimos fios de aço para manter o personagem no ar? Ou será que Keanu Reeves de fato conseguia dobrar o próprio corpo para trás daquele jeito? Aposto que ele realmente era capaz de ficar naquelas posições esquisitaças de ioga. Tem cara que consegue assumir, numa boa, a postura chamada "cachorro de cabeça para baixo".

He-he-he, cachorro de cabeça para baixo, isso foi engraçado. Eu bem que podia arrumar um filhote.

Ei, o que estava rolando ali, mesmo? Ah, sim! A garota do bar tinha se virado para mim e me olhado com uma expressão estranha, antes de eu preparar minha cara enevoada de razoavelmente sóbrio ao me virar para ela. Vi o instante exato em que a bandeja cheia de bebidas prontas para serem servidas tombou da mão dela. Tudo se espatifou no chão antes que eu tivesse a chance de reagir, e o som do vidro quebrando subiu muito acima da muvuca de música alta e vozes que berravam.

Eu devia ter entrado em ação e saltado por sobre o balcão para ajudá-la. Como devem imaginar, porém, não estava com meus reflexos felinos muito em dia. Na verdade, eu mais parecia o gato que bebeu três vezes o peso em tequila só porque acabou de descobrir que sua namorada de dois anos nunca quis ter filhos e decidiu transformar a própria xereca numa incubadora quentinha para os pintos de metade da população de Toledo.

Puxa, eu deveria arrumar um ou dois gatos. Eles quase não dão trabalho.

Talvez eu até consiga ensiná-lo a mijar no vaso sanitário, como o Jinxy do filme Entrando numa fria. Será que um homem pode se transformar numa gateira velha e neurótica? Subitamente, me vi como um idoso arrastando os chinelos pela calçada, todo coberto de pelos de gato e miando para todo mundo que passava.

Pensando melhor, nada de gatos. Eu não devia ter permissão para pensar quando estou bebendo.

A atendente se agachou atrás do balcão. Por um instante, deixei de lado a história sobre gatos que mijam em privadas, me levantei e me inclinei para frente o máximo que consegui, tomando o cuidado de não fazer o banco alto desaparecer debaixo da minha bunda, só para ver se ela precisava de ajuda.

Quando eu digo "ajuda", obviamente me refiro a verificar que ela não estava sangrando e voltar a sentar, antes que a sala se inclinasse por completo para a esquerda e alguém gritasse HOMEM AO MAR!!!

Minha boa ação terminou antes de começar quando uma garota miúda com cabelos louros compridos (e que me pareceu estranhamente familiar) foi para trás do bar, seguiu até o ponto que eu tentava focar e olhou para baixo. 

– Meu Jesus, mão de quiabo, você está...

Do nada, uma mão voou por detrás do bar, agarrando o antebraço da loura e puxou-a para baixo com tanta violência que ela não conseguiu completar a frase. 

Ela sumiu com um grito e eu balancei a cabeça para os lados, pensando no quanto as mulheres eram esquisitas. 

Vai se foder, Tasha. Fodam-se os gatos que não mijam na privada. Foda-se você, Keanu Reeves, e também seu cachorro de cabeça para baixo.

MALICEOnde histórias criam vida. Descubra agora