As vezes eu culpo mamãe pela minha falta de vontade de ter filhos. Não que ela fosse uma mãe ruim; é que simplesmente ela não tinha a menor ideia do que estava fazendo.
Percebeu logo de cara que morar numa cidade da zona rural, do tamanho de um cu, não servia para ela. Também descobriu que ficar com a bunda sentada no sofá assistindo TV com meu pai dia após dia, tendo que aturar uma pré-adolescente fresca e petulante, não era exatamente o que tinha sonhado para a vida. Queria viajar, frequentar museus, ir a shows, ao cinema; queria ser livre para ir e vir quando lhe desse na telha, sem ter que dar satisfações a ninguém. Minha mãe me contou uma vez que nunca tinha deixado de amar meu pai; só que necessitava mais do que ele poderia dar a ela. Eles se divorciaram e ela saiu de casa quando eu tinha doze anos; foi morar num apartamento no centro da cidade, a quase cinquenta quilômetros de nossa casa.
Nunca me senti como se ela tivesse me abandonado. Continuava a vê-la com frequência e nos falávamos por telefone todo dia. E não rolou o lance de não me convidar para ir morar em sua companhia. Ela chamou, mas só porque achava que era a coisa certa a fazer. Todo mundo sabia que eu sempre escolheria ficar com meu pai. Desde pequena tinha sido a "filhinha do papai". Por mais que eu amasse minha mãe, senti que tinha mais coisas em comum com meu pai e simplesmente me pareceu o mais natural permanecer com ele.
Mesmo não morando mais conosco, mamãe tentou me criar e ensinar da melhor forma que conseguiu. Suas habilidades maternas nunca tinham sido grande coisa, para ser franca, mas depois que saiu de casa se transformaram numa espécie de descarrilamento na hora do rush. Não importa o que as pessoas possam pensar, sei que ela me amava de verdade; o problema é que agia mais como amiga, na maior parte do tempo, do que como mãe.
Três dias depois de ir embora ela me ligou para dizer que, segundo alguém que viu no programa da Oprah, precisávamos de um evento que marcasse o resto de nossas vidas, para podermos forjar laços mais fortes entre mãe e filha. Sugeriu que fizéssemos tatuagens idênticas. Lembrei-lhe que eu tinha só doze anos e isso era ilegal. Tenho tantos livros de autoajuda do tipo Canja de galinha para a alma da relação mãe-filha, que ela me trazia de presente ao longo dos anos, que daria para abrir uma livraria. Sem falar nas centenas de fotos em que ela me marcou no Facebook, sob o seguinte título: "Eu e minha filha: BFF!!!"
As pessoas achavam muito esquisito o jeito como nós três vivíamos, mas o fato é que dava certo. Meu pai não precisava mais ouvir as ladainhas de minha mãe, que vivia buzinando o dia inteiro no ouvido do pobrezinho que ele não a levava a canto algum. Agora, minha mãe era livre para voar e ir aonde bem quisesse, sem deixar de manter uma relação próxima comigo. Há pessoas que simplesmente não foram feitas para viver juntas. Meus pais passaram a se dar muito melhor um com o outro depois que surgiu uma viagem de meia hora de carro separando-os.
Além dos conselhos que absorvia em talk-shows vespertinos, minha mãe usava o livro Como usar expressões e gírias para criar sua filha. Todos os conselhos que me foram dados ao longo da vida vieram sob a forma de uma expressão ou ditado que minha mãe tinha lido num livro ou ouvido num programa de culinária. Infelizmente, eles nunca faziam sentido ou eram sempre usados fora de contexto. Quando a pessoa tem seis anos de idade, conta à mãe que alguém na escola a zoou e ela responde com o clássico: "Quem não sabe brincar, não desce pro play !", a criança acaba descobrindo como lidar com os problemas por si mesma e para de pedir conselhos.
Quando eu descobri que estava grávida, não entrei numa de sonhar em ser independente, querer liberdade para as mulheres, direitos iguais, tipo "não raspo as pernas porque não me submeto à ditadura dos homens" e coisas assim, nem me mostrei absurdamente feliz por fazer do meu jeito, sem ajuda materna. Não sou mártir. Por mais que seja teimosa e autossuficiente, sabia que iria precisar de auxílio.